Sabemos que o Brasil precisa muito de investimentos para desenvolver vários de nossos setores, especialmente a infraestrutura. Porém, para trazer investidores, é fundamental estabelecer um ambiente com segurança jurídico-regulatória, regras estáveis e respeito à governança das empresas.
O governo atual foi eleito com uma plataforma de criar e gerar empregos, o que implica em atrair ao país recursos de investidores internos e externos. Mas algumas ações tomadas, especialmente nos últimos meses, indicam que os objetivos difundidos durante o processo eleitoral acabaram postos de lado e foi priorizada uma agenda do partido do presidente Luiz Inacio Lula da Silva.
Em uma das empresas do setor de mineração em que trabalhei, por volta do ano de 2005, os acionistas decidiram expandir as operações para fora do Brasil para evitar ter seus negócios muito dependentes da volatilidade da economia local. Ao buscarmos as oportunidades no exterior, nossa primeira opção foi a América Latina por acreditar que a cultura era similar à nossa, o que facilitaria a integração e a gestão.
O primeiro filtro que criamos na avaliação dos novos mercados foi a estabilidade jurídica. Como éramos uma empresa de capital intensivo, queríamos nos certificar de que as regras nos países analisados eram estáveis e verificar especialmente se os contratos pactuados com as empresas eram respeitados ou se mudavam a cada troca de mandatário no poder. Muitos países foram eliminados com base nesse critério, embora possuíssem grandes oportunidades no setor minero-metalúrgico. Até hoje, decorridas quase duas décadas, permanecem com as riquezas inexploradas pois nenhum investidor se arriscou a aplicar grandes montantes de recursos sem segurança e regras claras.
O último pleito presidencial no Brasil foi vencido em uma eleição muito disputada, com diferença de 2% dos votos válidos, e a vitória do atual presidente só foi possível com a construção de uma frente ampla, envolvendo vários partidos. Uma vez assumido o poder, antigas crenças do PT que não deram certo no passado vêm prevalecendo nas decisões do governo e assombram de novo as nossas instituições.
Vejamos alguns exemplos:
- Recentemente o governo tentou impor à Vale, uma empresa privatizada, a indicação do novo CEO. O candidato indicado não foi escolhido por possuir experiência no setor ou na gestão de empresas, mas por ser um companheiro do partido que precisava ser recompensado. Houve pressão forte nos bastidores e, felizmente, o Conselho da empresa rejeitou o candidato, adiando a decisão.O governo recuou, mas em contrapartida anunciou que vai cobrar R$ 25,7 bilhões pela antecipação da renovação de concessões de ferrovias negociadas e realizadas na gestão federal anterior. Os investidores viram essa atitude como uma penalização à empresa por não aceitar a interferência governamental.
- A Petrobras – uma empresa que foi muito afetada pela corrupção, como demonstrou o processo da Lava Jato – criou após essa crise um protocolo de governança para se proteger de futuros atos que pudessem afetar a companhia. Recentemente, o grupo responsável pela governança rejeitou dois indicados pelo governo federal para o Conselho, mas uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu as restrições impostas pela Lei das Estatais e pelo regimento interno. Ou seja, a boa governança foi ignorada.
- Tivemos ainda uma tentativa de retornar a Eletrobras, privatizada em junho de 2022, ao controle estatal, mas, afortunadamente, o Congresso abortou este plano. O mesmo aconteceu com o marco regulatório do saneamento, em que o Legislativo barrou o cancelamento da regulamentação aprovada.
As consequências de ações como estas são muito evidentes quando avaliamos a queda dos recursos aplicados no país. A taxa de investimento da economia brasileira entrou em forte queda a partir do final de 2022: entre o último trimestre daquele ano e terceiro trimestre de 2023, caiu de 18,3% para 16,6% do PIB.
Ao abalar a confiança do mercado, a capacidade produtiva não cresce e o aumento do consumo acaba esbarrando no esgotamento, o que gera pressão inflacionária e força o Banco Central a aumentar a taxa de juros.
O governo agora está anunciando o programa de parcerias público-privadas (PPPs), que seria o pilar do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A Casa Civil admite que os investidores atuais estão sobrecarregados e é preciso atrair novos players para o mercado. O poder público, como é sabido, não tem orçamento nem capacidade para investir, e o desafio se torna ainda mais difícil com essas interferências nas empresas e tentativas de quebra de contratos.
A melhoria do rating do país pelas agências soberanas poderia contribuir, mas isto depende do equilíbrio fiscal, que parece politicamente difícil de acontecer. A dívida pública do país voltou a subir pela primeira vez em três anos e atingiu 74,3% do PIB, segundo dados do Banco Central. Garantir que a curva do endividamento público pare de crescer e atinja estabilidade é fundamental para atrair investidores de longo prazo.
O Brasil, com seu imenso mercado, tem grande potencial para receber recursos de forma continuada, o que possibilitaria gerar empregos e promoveria o desenvolvimento social. Para que isso se torne uma realidade, espero que o governo estabeleça um diálogo transparente com os investidores e pondere o que é importante para o país no longo prazo em vez de defender teses eleitoreiras de curto prazo.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.