Tenho escrito aqui uma série de artigos sobre sucessão nas empresas familiares e já abordei anteriormente tópicos relacionados à sucessão gerencial, falando sobre a importância do planejamento e da igualdade de oportunidades e também sobre a necessidade de preparar adequadamente os herdeiros. Hoje quero tratar especificamente sobre a sucessão patrimonial, que é sem dúvida um dos maiores desafios e um tema que costuma causar muita controvérsia.

É interessante observar como os empresários têm dificuldade em estruturar a sucessão patrimonial. A imprensa continuamente divulga casos de empresas familiares que enfrentam longas e custosas discussões na Justiça, além de um enorme desgaste nas relações familiares. Estes custos e atritos podem ser evitados com planejamento e assessoria adequados. Trago aqui alguns exemplos reportados recentemente na mídia que ajudam a refletir sobre isso.

Casas Pernambucanas

A disputa judicial em torno da fortuna e dos negócios da empresária Anita Harley, 76 anos, maior acionista das Casas Pernambucanas, se arrasta na Justiça há vários anos. Em 2016, ela sofreu um AVC e está em coma desde então. Anita não se casou nem teve filhos e, portanto, não tem herdeiros legítimos. Além disso, não possui nenhum testamento conhecido. Seu patrimônio somente em imóveis chega a R$ 1,6 bilhão. Ao longo desses anos, vem ocorrendo uma batalha jurídica entre duas ex-funcionárias da empresária e o filho de uma delas.

Uma das ex-funcionárias morou com Anita durante cerca de 20 anos e em 2017 entrou com pedido de registro de união estável. Seu filho também recorreu ao judiciário alegando ser filho socioafetivo de Anita, o que seria o reconhecimento da maternidade com base no afeto e não na relação sanguínea. A Justiça reconheceu esta situação em 2022 e ele passou a ser o curador do patrimônio.

Posteriormente, sua mãe contestou judicialmente esta posição. Ela obteve, em 2023, uma decisão favorável ao registro de união estável, mas até o momento não conseguiu tirar o filho da função e se tornar curadora.

A outra ex-funcionária na disputa era considerada “braço direito” da empresária nos negócios, trabalhando na empresa desde a década de 60, e detém uma procuração para tomar decisões relativas à saúde de Anita. Em 2021, ela também entrou na Justiça pedindo reconhecimento de união estável.

A Nopasa, holding da Pernambucanas, tem nove sócios com direito a voto, sendo que o espólio de Anita tem 48% das ações. A empresa, que tem cerca de 500 lojas e faturamento de R$ 4,7 bilhões (em 2022), busca blindar a gestão das disputas judiciais.

Casas Bahia

Outro grande varejista brasileiro, as Casas Bahia, também vivencia uma disputa judicial envolvendo os irmãos Saul Klein e Michael Klein. O irmão mais novo, Saul, contesta na Justiça a distribuição da herança realizada após a morte do pai, Samuel Klein, ocorrida em 2014.

Ele questiona uma série de doações feitas pelo pai nos últimos dois anos de vida. Segundo seus advogados, 24 meses antes da morte de Samuel, seu patrimônio era de R$ 8 bilhões e na partilha havia somente R$ 500 milhões a distribuir. Na disputa, Saul alegou até uma suposta falsificação de assinaturas do pai em documentos que beneficiariam, em tese, o irmão, o que é negado por Michael.

LG

As disputas públicas por herança não são uma exclusividade do cenário empresarial brasileiro e atingem até mesmo grandes multinacionais, como é o caso do conglomerado sul-coreano LG. Quando o então presidente da companhia, Koo Bon-moo, faleceu em 2018, aos 73 anos, não havia muitas dúvidas sobre quem iria substituí-lo na gestão. A LG é uma empresa gigante, com receita anual de US$ 63 bilhões, e regida pelo princípio da sucessão masculina.

Esta sucessão havia se iniciado 14 anos antes, quando Koo e sua esposa adotaram como filho seu sobrinho mais velho, Koo Kwang-mo. A adoção ocorreu pois o único filho homem do casal morreu em 1994, ainda adolescente. O casal, que já tinha uma filha na época, tentou gerar outro herdeiro do sexo masculino, mas teve uma segunda filha.

A familia Koo controla a LG desde 1947 e a transição parecia impecável, mantendo a relação harmônica entre os familiares. O fundador não deixou testamento. Existe agora uma disputa judicial entre a viúva, juntamente com as filhas, contra a LG e seu filho adotivo, o atual CEO da empresa.

Elas o acusam de fraude para roubar uma herança legítima que possuem e que incluiu a participação de 11% no capital da empresa. As mulheres indicaram que não querem o controle da empresa, mas reivindicam o valor justo da herança que lhes cabe. Segundo as leis coreanas, se não houver testamento, a viúva deve herdar um terço do espólio e as filhas e o filho adotivo dividiriam o restante em partes iguais. Agora, o caso se desenrola com acusações públicas e a exposição de conversas gravadas, colocando em xeque a credibilidade da empresa e de seu CEO.

Estes são apenas exemplos dos inúmeros casos que acabam se tornando longas batalhas em processos de sucessão patrimonial. Por outro lado, existem vários grupos familiares bem-sucedidos no Brasil e no exterior que já estão na quarta ou quinta geração e conseguem fazer a transferência do patrimônio de forma harmônica, sem disputas judiciais. A resposta está no planejamento e no entendimento prévio dos herdeiros sobre a forma de se avaliar e distribuir o patrimônio.

Na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), desenvolvemos ao longo dos anos um processo que tem se mostrado muito eficaz em construir este entendimento entre as gerações, envolvendo a todos nos debates com total transparência. Estas discussões contam também com participação dos cônjuges, que assinam como testemunhas do acordo societário.

Em alguns casos, dependendo do interesse dos envolvidos, a transferência do patrimônio pode ser realizada deixando o usufruto do patrimônio para os fundadores enquanto estes estiverem vivos. Desta forma, evita-se postergar a decisão para momentos em que o empresário fundador não esteja em condições plenas de saúde física e mental. Este procedimento evita casos de contestação judicial como os descritos anteriormente.

No Brasil, as alterações recentes na legislação tributária e as perspectivas de novas mudanças nesse campo têm impulsionado os debates sobre sucessão patrimonial nas empresas familiares. Meu colega Roberto Bento Vidal, também sócio aqui na CFEG, escreveu este artigohá alguns meses que recomendo muito para quem quiser entender melhor o cenário e as alternativas.

E caso você tenha interesse em aprofundar esta discussão sobre os inúmeros casos que vivenciamos, entre em contato. Terei o maior prazer em trocar ideia sobre o tema.

 

 

JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group

 

Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.