Aos 93 anos, o empresário Silvio Santos faleceu no último dia 17. Reconhecido até pelos concorrentes como o maior comunicador da TV brasileira, recebeu inúmeras homenagens. Li muitos depoimentos de funcionários e amigos que conviveram com ele, e cada um traz um olhar diferente, um episódio novo. Suas habilidades em comunicação e vendas se estenderam para o ramo empresarial e, de acordo com a revista Forbes, ele deixou uma fortuna avaliada entre U$ 1,3 e U$ 2 bilhões.

O empreendedor Silvio Santos

Filho de judeus que emigraram para o Brasil, Senor Abravanel adotou o nome artístico de Silvio Santos ao iniciar a carreira como locutor de rádio. Começou trabalhando como camelô na adolescência, e, quando entrou para o rádio, não parou mais. Como muitos brasileiros, usou seu talento e veia empreendedora rumo ao sucesso.

A receita estimada do grupo empresarial supera R$ 1 bilhão. Ele é composto por:

  • SBT (Sistema Brasileiro de Televisão): segunda maior rede de TV do Brasil em audiência e receitas (cerca de R$ 2 bilhões);
  • Jequiti Cosméticos: empresa de cosméticos que opera no modelo de vendas diretas, em 2002 teve faturamento estimado de R$ 360 milhões e prejuízo de R$ 62 milhões. A imprensa reportou que havia uma negociação para venda à gigante farmacêutica CIMED, mas que processo não evoluiu.
  • Outros ativos: Hotel Jequitimar, Liderança Capitalização (responsável pela Tele Sena) e Sisan Imobiliária. Netuno e Frutivita, exportadoras de lagostas, camarões e uvas, também integram o portfólio.

Gestão familiar

Silvio sempre optou por colocar familiares à frente das empresas do Grupo enquanto ele conduzia os negócios no SBT, seu “xodó”. As seis filhas compõem a segunda geração do grupo empresarial, os 13 netos, a terceira geração, e há ainda uma quarta geração, formada, até aqui, por quatro bisnetos.

Atualmente, além de Renata Abravanel – que atua na gestão do GSS (Grupo Silvio Santos) –, Daniela Beyruti é responsável pela gestão no SBT, Patricia é apresentadora no canal e Rebeca é diretora da empresa de cosméticos Jequiti. As filhas do primeiro casamento, Cintia e Silvia, também têm funções. O Banco Panamericano, que era administrado por Rafael Paladino, sobrinho da esposa de Silvio Santos, sofreu intervenção do Banco Central em 2010 por acusação de fraudes. O rombo era de R$ 2,5 bilhões. Silvio Santos, mesmo pego de surpresa, agiu rapidamente para que ninguém fosse prejudicado: recorreu ao Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para evitar que o banco falisse. Colocou todos os seus bens em garantia para conseguir o empréstimo do FGC. Sete dirigentes foram indiciados pela Polícia Federal e, em setembro de 2011, o Panamericano foi vendido ao BTG Pactual por R$ 450 milhões. Na época, Silvio declarou não ter recebido “nem um tostão de dividendos”. Paladino e outros executivos foram condenados pela Justiça, mas o GSS manteve sua reputação e superou a crise.

Os desafios da sucessão

Não há muitas informações disponíveis sobre o sistema de governança do grupo. Sabemos que existe um Conselho de Administração formado por suas seis filhas e alguns conselheiros externos e que cada negócio tem um comitê executivo próprio com reporte ao Conselho de Administração. A estrutura também conta com um setor de gestão de riscos e auditoria interna para garantir boas práticas de governança.

Minha experiência em gestão de empresas familiares à frente da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG) me faz acreditar que embora o Grupo Silvio Santos tenha se preparado para esta transição e formado muito bem as sucessoras, o processo não será simples, pois trata-se da passagem de bastão de um líder extraordinário que ainda tomava as principais decisões ligadas ao patrimônio, à família e às empresas. Ao longo dos 35 anos na CFEG apoiando famílias empresárias em suas demandas, conseguimos identificar práticas que funcionam bem nesta transição:

1. Separar os fóruns de decisão

É importante criar instâncias e definir com clareza os temas que se encaixam em cada uma delas. Por exemplo, ter um Conselho de Acionistas, fórum específico para decisões sobre o portfólio, entrada e/ou saída de negócios e distribuição de dividendos. Para os assuntos ligados à família, vale a pena criar um Conselho de Família, onde serão discutidos temas como preservação do legado, valores do fundador e formação dos atuais e futuros herdeiros. A gestão das empresas deve estar ligada ao Conselho de Administração. Neste fórum serão aprovadas as principais decisões ligadas à gestão, como níveis de endividamento, estratégia, gestão de pessoas.

2. Manter a família unida

Um dos grandes desafios nestes processos é manter a família unida em seus propósitos e direcionamentos. É o que chamamos de “estratégia da família empresária”. Discutimos a visão do futuro e os caminhos potenciais de crescimento unindo os membros em torno dos seus valores. Ética e simplicidade são valores importantes de serem preservados em um grupo cujos negócios estão fortemente ligados à imagem. A história e o legado de Silvio Santos precisam ser registrados e resguardados. Não apenas para a família, mas para as futuras gerações de brasileiros.

A família precisa se estruturar para a nova realidade, em que o fundador não está mais presente para arbitrar decisões. Por isso é importante identificar os perfis dos acionistas. Quem são os empreendedores? Quem são os mantenedores? Quem são os líderes que podem atuar para manter a família unida? Cada função requer uma habilidade distinta e demanda preparação.

3. Avaliar o portfólio de negócios

J. Davis, professor do MIT e fundador da CFEG, diz que uma das decisões mais importantes dos acionistas é definir em que negócios ficar e de quais sair. Entendo que o momento do Grupo Silvio Santos pede essa revisão de portfólio para avaliar o retorno sobre o capital investido a fim de garantir crescimento e rentabilidade. É também importante avaliar as mudanças tecnológicas e de comportamento do consumidor. Um grupo tão focado em entretenimento precisa inovar e buscar novas tecnologias e oportunidades. Essa indústria está em plena transformação e cada vez ganhando mais players.

O mercado publicitário, que sempre sustentou a mídia de TV, vem migrando rapidamente para o universo digital, para onde também se movem os clientes. Nos próximos cinco anos, essa indústria será completamente diferente, o que traz para o GSS, que costuma manter seus CEOs no cargo por longos períodos, a necessidade da reinvenção.

Conduzir a transição não é algo simples. São muitos os desafios e os dilemas, assim como as oportunidades que mudanças naturalmente trazem. Por isso é tão importante contar com o suporte de especialistas no tema, como é o caso da equipe da CFEG. Temos programas específicos de treinamento e formação de acionistas e de orientação para ampliar a eficácia dos conselhos. Atuar em parceria com familiares competentes e dedicados já é meio caminho andado rumo à perenidade dos negócios e à preservação do legado deixado pelo fundador.

 

 

JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group

 

Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.