Autores: Halina Matos, Victor Eiji e Luana Machado
Abstract: O Conselho de Família, quando bem estruturado, funciona como um ativo intangível e estratégico nas famílias empresárias, promovendo alinhamento entre gerações e sustentando a continuidade do legado familiar. Inspirado na metáfora da tamareira — cuja colheita beneficia futuras gerações —, este artigo argumenta que o Conselho não é apenas um fórum de diálogo, mas o coração da governança familiar. Ele contribui para formar bons acionistas, fortalecer vínculos afetivos e preparar herdeiros para seus papéis, dentro ou fora do negócio. Com base na prática da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), são apresentados cinco pilares para estruturar Conselhos eficazes, capazes de equilibrar aspirações individuais com a visão coletiva de longo prazo. O texto convida famílias empresárias a refletirem sobre suas escolhas: onde colocar energia hoje para que a árvore do legado floresça no futuro.
Famílias visionárias sabem que governança bem-feita floresce no tempo certo
Plantar uma tamareira é um ato de fé: ela pode levar décadas para dar frutos, e muitas vezes quem planta não chega a colher. Ainda assim, as próximas gerações se beneficiarão da sombra e da colheita de uma decisão tomada muito antes. Com o Conselho de Família acontece algo parecido. Quando bem estruturado, ele não é apenas um fórum de conversas, mas uma semente institucional capaz de gerar valor no longo prazo.
Em empresas familiares, alguns dos ativos mais valiosos são intangíveis e enraizados no legado. São difíceis de imitar, não por razões tecnológicas, mas porque estão profundamente conectados à história da família, aos vínculos afetivos e às escolhas acumuladas ao longo do tempo. Um Conselho de Família bem construído torna-se justamente esse ativo raro: molda decisões, fortalece relacionamentos e prepara o solo para que os herdeiros do futuro floresçam como criadores de valor.
Mais do que resolver os conflitos de hoje, trata-se de construir as condições para que a árvore do legado continue a crescer, com raízes fortes, galhos diversos e frutos duradouros.
Governança familiar: o veículo para preparar para o futuro
Entre os muitos instrumentos de governança familiar, o Conselho de Família é talvez o mais estratégico. Mais do que um espaço para reuniões formais, ele é o lugar onde a família se organiza, reflete, delibera e decide sobre seu futuro coletivo, dentro e fora da empresa.
Quando bem desenhado, atua como elo entre as esferas da família, da propriedade e do negócio, promovendo o alinhamento entre gerações e sustentando um ciclo virtuoso: famílias bem-organizadas formam bons acionistas [1], que tomam boas decisões, fortalecem o patrimônio e exigem preparo das próximas gerações.
Segundo Ceja et al. (2013), os Conselhos mais eficazes criam comitês voltados à educação da nova geração, discutem vocações, promovem fóruns de aprendizagem e trabalham o senso de pertencimento dos herdeiros, sem impor que todos sigam o mesmo caminho. O foco não é uniformizar, e sim preparar cada indivíduo para contribuir de forma alinhada com seus talentos e interesses. É preparar cada um para contribuir como for possível e desejado. Mesmo aqueles que escolhem trilhar caminhos profissionais fora do negócio da família, precisam compreender seu papel como sócios e membros de uma família empresária.
Nesse sentido, o Conselho de Família atua como ponte entre as esferas da família, da propriedade e do negócio, promovendo o alinhamento entre gerações e sustentando um ciclo virtuoso: formar bons acionistas, que tomam boas decisões, fortalecem o patrimônio, e por consequência, exigem preparo das próximas gerações para dar continuidade a esse processo
Na Cambridge (CFEG), entendemos que o estado da arte do Conselho de Família demanda cinco ações para ter impacto duradouro e significativo na estrutura de governança da Família Empresária:
- Definir uma declaração de valores, missão e visão que motive e crie compromisso para evolução do legado
- Entender a situação atual da família e as necessidades de mudança em família, propriedade e negócio na perspectiva da família
- Esclarecer e legitimar o papel do Órgão de Família na governança e definir um mandato estratégico que direcione suas ações
- Formar uma equipe com perfil adequado para planejar e implantar um plano estratégico com objetivos claros e mensuráveis
- Integrar e coordenar as ações com os demais Órgãos de governança, tomando o protagonismo como a “voz da família”
Um Conselho de Família bem estruturado não é apenas um Órgão de diálogo, é o coração da governança estratégica da família empresária. É nesse espaço que a família define o que deseja preservar, transformar e entregar às próximas gerações.
Toda família precisa decidir o que vai plantar — e para quem
Famílias empresárias vivem, em diferentes momentos, o dilema de escolher onde colocar sua energia: na urgência do agora ou na construção do futuro. Nem sempre essa escolha é explícita, mas ela se revela nas decisões sobre formação de herdeiros, sucessão, patrimônio e identidade.
O Conselho de Família é o fórum em que essa decisão começa a tomar forma. Ele permite que a família pare para pensar em conjunto: que tipo de legado queremos deixar? O que precisa ser preservado e o que precisa evoluir? Como garantir que as próximas gerações recebam não apenas um patrimônio, mas também o preparo, os vínculos e a clareza para sustentá-lo?
Assim como a tamareira, um Conselho de Família bem estruturado demora a frutificar, mas transforma o solo onde é plantado. Ele não resolve todos os problemas do presente, mas cria as condições para que o futuro seja mais fértil, coeso e estratégico.
Mais do que um espaço de escuta ou mediação, o Conselho se torna um mecanismo de geração de valor invisível, no qual a família ensaia o futuro, define princípios comuns, legitima diferentes trajetórias e sustenta o alinhamento entre gerações. Ele não serve apenas para lidar com tensões: serve para garantir que a árvore do legado continue a crescer com raízes firmes e frutos diversos.
Diante desse desafio, a Cambridge (CFEG) apoia famílias empresárias ao redor do mundo na estruturação e fortalecimento de Conselhos de Família que funcionem como o centro da governança familiar. Ajudamos famílias empresárias a:
- Estruturar conselhos de família robustos e eficazes;
- Desenvolver programas de formação para herdeiros e herdeiras;
- Definir valores compartilhados e visão de longo prazo;
- Criar espaços de escuta e liberdade para que cada membro da família encontre seu papel, sem imposição;
- Equilibrar aspirações individuais com a continuidade do legado familiar.
- Em outras palavras, ajudamos famílias a criar sistemas familiares prontos para formar criadores de valor – e não apenas protagonistas carismáticos.
Referências
Ceja, L., Barbat, J., & Tàpies, J. (2013). Key Issues in Family Councils: Insights from the Spanish Experience (Working Paper WP-1070-E). IESE Business School – University of Navarra. https://ssrn.com/abstract=2353156
Eckrich, C. J., & McClure, S. L. (2012). The Family Council Handbook: How to Create, Run, and Maintain a Successful Family Business Council. Palgrave Macmillan.
Hamilton, S., & Godfrey, J. (2007). Preparing the Next Generation for the Responsibilities of Ownership. The Journal of Wealth Management, 10(3), 8–16.
Jaffe, D. T., & Lane, S. H. (2004). Sustaining a Family Dynasty: Key Issues Facing Complex Multigenerational Business- and Investment-Owning Families. Family Business Review, 17(1), 81–98.
[1] Esses temas já foram explorados em outros artigos da CFEG. Ainda assim, acreditamos que a formação de acionistas e o processo de sucessão em famílias empresárias seguem como tópicos estratégicos centrais — especialmente quando olhados sob a perspectiva da identidade, do pertencimento e da preparação de longo prazo. Trataremos esse assunto com mais profundidade em artigos seguintes da série.