Recentemente uma das mais tradicionais empresas familiares do Brasil, a Bombril, entrou com um pedido de recuperação judicial, com dívidas de R$ 2,3 bilhões. Segundo notícias divulgadas na imprensa e documentos publicados pela própria companhia ao mercado, o pedido foi aceito pela Justiça no dia 12 de fevereiro, com a nomeação de uma administradora judicial e a suspensão da execução de dívidas.
A empresa surgiu em 1948, quando o empresário Roberto Sampaio Ferreira aceitou uma máquina de extração de lã de aço como pagamento de uma dívida. Sem conseguir vender o equipamento, ele passou a produzir as lãs de aço, que haviam surgido nos Estados Unidos alguns anos antes e eram usadas no setor automotivo para polir peças metálicas.
As perspectivas no final da década de 1940 não eram boas, pois o setor automotivo brasileiro era muito pequeno e dependia dos importados. Foi então que ele teve a brilhante ideia de usar o produto para limpar e polir as panelas de alumínio na própria casa. Até então, o método tradicional era usar areia para limpar as panelas, e a chegada da lã de aço facilitou muito a vida das donas-de-casa.
Ele alterou o produto e criou embalagens pequenas com cores chamativas, em amarelo e vermelho, que permanecem até hoje. Além de polir panelas, a lã de aço ainda servia para dar “brilho” aos vidros, azulejos e louças – daí o nome “bom brilho”, que depois foi encurtado para Bombril. A marca se tornou extremamente popular, com campanhas publicitárias divertidas que fizeram muito sucesso trazendo Carlos Moreno como o “Garoto Bombril”.
Histórico da crise
Em 1981, quando o fundador Sampaio Ferreira faleceu, a Bombril já era uma potência, oferecendo diversos outros produtos, como amaciante de roupas, detergente de louças e sabão em pó, e detendo outras marcas conhecidas como Mon Bijou e Limpol.
A empresa começou a ter problemas em 1990 em decorrência de uma disputa familiar. Sampaio Ferreira deixou o controle da empresa para os três filhos, Fernando, Carlos e Ronaldo.
Em 1998, os dois irmãos mais velhos venderam suas participações para o empresário italiano Sergio Cragnotti, especialista em comprar empresas em dificuldades. Ele também adquiriu no Brasil a tradicional Companhia Industrial de Conservas Alimentícias, a Cica.
Ronaldo, o caçula dos Sampaio Ferreira, não quis vender sua participação e iniciou uma briga na Justiça até que, em 2003, conseguiu afastar os Cragnotti da Bombril e recuperar o controle.
O empresário italiano foi acusado de desviar recursos da Bombril para outras empresas de seu portfólio fora do Brasil. A empresa brasileira investiu em títulos do tesouro americano e estes investimentos geraram lucro, mas os impostos não foram pagos, gerando o passivo tributário de R$ 2,3 bilhões. Cragnotti foi julgado e preso pela Justiça italiana em 2022 por falência fraudulenta.
Os resultados financeiros
A Bombril vinha apresentando resultados positivos e em evolução. O balanço do terceiro trimestre de 2024 mostrou receita bruta de R$ 1,7 bilhão, com alta de 11,6% no comparativo com o mesmo período do ano anterior, lucro líquido de R$ 56,4 milhões e EBITDA de R$ 181 milhões. A empresa reportou um crescimento de volume de 17,8% em relação ao ano anterior.
Após a divulgação do pedido de recuperação judicial, as ações da companhia caíram 31%. A recuperação judicial engloba dívidas de R$ 332,8 milhões e entre os credores estão os bancos ABC, C6 Bank, Banco Daycoval e Tribanco.
A governança
A empresa possui capital aberto, com ações registradas na B3. O Conselho de Administração é presidido pelo controlador, Ronaldo Sampaio Ferreira, que possui 75% das ações ordinárias, e existem outros três conselheiros externos.
Há questões que indicam falhas nos processos de governança e que considero importante analisar. Listo a seguir algumas dessas dúvidas:
- O passivo criado na administração Cragnotti data dos anos 2000, e a partir de 2006 o controle da empresa foi retomado pelo atual controlador. Então, por que nenhuma ação efetiva foi tomada nesse período para evitar a situação atual?
- A empresa é auditada desde 2020 por uma das “big four”. Por que este problema tão sério não foi levantado pelos auditores?
- Por que os auditores e os atuais membros do Conselho não atuaram para solucionar esse passivo?
- Existiram diversas oportunidades de negociação tributária nos últimos governos que não foram aproveitadas. Quais as razões?
- Por que a CVM não atuou?
No site da empresa, existem muitas normas de governança e documentos. Mas governança só no papel não traz segurança ao investidor.
Na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), atuamos há mais de três décadas apoiando famílias empresárias na estruturação de sua governança. Desenvolvemos diversos processos, inclusive de avaliação da eficácia dos Conselhos de Administração e de verificação prática para garantir que os ritos de governança estão sendo cumpridos. Sabemos que, para garantir a confiança do investidor, a governança precisa ir além do protocolo – ela precisa ser integrada ao dia a dia da empresa.
Caso queira conhecer nossa metodologia e como nosso trabalho pode contribuir para a sustentabilidade do seu negócio, visite nosso site ou entre em contato com nossa equipe.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Com trajetória consolidada em governança e estratégia empresarial, possui vasta experiência na assessoria a empresas familiares e de capital fechado, conduzindo temas como governança de propriedade, acordos de acionistas, conselhos de administração e planejamento sucessório. Fundou e liderou uma consultoria especializada, posteriormente integrada à Cambridge Family Enterprise Group Brasil, ampliando seu impacto no atendimento a famílias empresárias. Como CEO da Votorantim Metais, liderou a internacionalização e o crescimento da empresa, além de atuar na transição entre gerações. Também esteve à frente da Alcan Alumínio do Brasil e exerceu funções estratégicas em Montreal. Atua como conselheiro e presidente de conselhos nos setores de varejo, agronegócio, alimentos, mineração, infraestrutura e serviços. Foi presidente da Associação Brasileira de Alumínio e conselheiro da Endeavor. Engenheiro metalurgista com MBA pelo IMD, na Suíça, é fluente em português, inglês e espanhol.