Ao longo de minha carreira como executivo e mais recentemente trabalhando com famílias empresárias, pude testemunhar o drama que várias pessoas vivem ao se aposentarem. Alguns conseguem superar bem fazendo uma preparação prévia ou buscando alternativas para aportar seu conhecimento.
Mas a maioria passa por momentos difíceis, afetando inclusive a convivência familiar. No caso de empresas familiares, quando os recém-aposentados tentam interferir na gestão, contestando a liderança das novas gerações, acabam gerando desavenças entre sócios e dilapidando valor.
Existem muitos artigos e pesquisas abordando a preparação dos sucessores, mas quase nada sobre a preparação dos sucedidos. Quando o assunto está em pauta, no entanto, a abordagem é sempre a mesma: a preparação econômica, a criação de um colchão financeiro mirando o futuro. Mas não o aspecto emocional, a desaceleração, o planejamento dos próximos passos.
São esses aspectos que quero abordar em uma série de artigos. Quero compartilhar experiências e informações com o intuito de ajudar aqueles que estão se preparando para a aposentadoria ou já iniciaram este processo.
No Brasil, a população de aposentados, segundo o IBGE, cresceu 19% em sete anos, chegando a 30,7 MM (ou 14,7% da população, um percentual expressivo). Se considerarmos o aumento da expectativa de vida, alguém que se aposenta aos 58 anos (média atual) vai viver quase um terço da sua vida na condição de aposentado. Um período tão longo de fato requer uma preparação.
Riley Moynes, professor e escritor canadense que avaliou diversos casos de aposentadoria, mapeou e descreveu quatro fases que permeiam esse processo:
Fase 1: A liberdade e as tão desejadas férias
Este período dura cerca de um ano. O recém-aposentado começa a gozar da liberdade de não ter horários fixos, agenda a cumprir, reuniões para participar. É o momento de finalmente realizar as viagens que sempre desejou fazer e não conseguiu por falta de tempo. Curtir a família, dormir e acordar a hora que quiser. Após cerca de 12 meses, no entanto, vem a dúvida: se aposentar é isso? Estudei, aprendi e trabalhei tanto e agora vou ficar sem fazer nada por todos os próximos anos? É neste momento que começa a fase 2.
Fase 2: O questionamento e as perdas
Nessa fase, aparecem os questionamentos e as decepções. Onde estão meus relacionamentos, meus amigos da época do trabalho? Talvez não fossem meus amigos como pessoa física, apenas relacionamentos do meu sobrenome corporativo… Nessa fase aparecem 3 Ds: decepção, divórcio e depressão. Quantos mergulham neste processo e passam a viver uma vida de frustação? Nesses casos, a aposentadoria se transforma em desilusão. É também nesse período que as doenças começam a aparecer, um desafio adicional. Esse conjunto de fatores traz impactos psicológicos que acabam afetando a saúde e reduzindo a longevidade. Aqueles que conseguem reagir passam para a fase 3.
Fase 3: A Busca de um propósito
Essa é uma fase de buscas e algumas vezes de frustação. O aposentado avalia suas habilidades e começa a buscar atividades em que possa utilizar seus talentos. Alguns buscam trabalhar em entidades filantrópicas e ONGs; muitos se realizam. Outros se habilitam a participar de conselhos de empresas, compartilhando suas experiências e oferecendo contribuições. Muitos voltam a estudar, ampliando e aprofundando conhecimentos. Se o aposentado consegue vencer esta fase e encontrar algo que o motive a contribuir com a sociedade, ele passa para a fase 4.
Fase 4: Satisfação plena
Aqueles que chegam aqui aproveitam a fase áurea da aposentadoria. Utilizam seu tempo e os conhecimentos adquiridos em projetos prazerosos e na construção de uma nova rede de relacionamentos. Rejuvenescem nessa nova fase da carreira e conseguem curtir os benefícios de uma aposentadoria saudável.
Se você já está nessa fase, torço para que esse artigo ajude na sua reflexão e na busca da satisfação plena. Se ainda não está, recomendo que faça um planejamento de vida e carreira para essa fase. Convido aqueles que já superaram os desafios que mencionei no artigo que compartilhem conosco nos comentários sobre esse processo de transição. Precisamos falar mais sobre isso para que a aposentadoria seja uma etapa menos dolorida e mais contentamento.
João Bosco Silva
Consultor sênior e sócio da Cambridge Family Enterprise Group Brasil