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ACIONISTAS PRECISAM AGIR MAIS COMO ACIONISTAS

Mudanças tecnológicas, a globalização, mudanças sociais e demográficas, a degradação ambiental e o colapso do discurso governamental e político – para citar apenas algumas questões – estão causando disrupções significativas nos empreendimentos familiares. O impacto dessas forças vai muito além de remodelar setores e de afetar o modo como se faz negócios (o que, onde e como se vende, compra e produz; como sua companhia se prepara para mudanças; como bons talentos são recrutados, desenvolvidos e retidos).

Essas forças também extirpam as formas tradicionais com que as famílias são acionistas de suas empresas, investem sua riqueza, administram suas famílias e pensam no sucesso de longo prazo. Elas afetam o portfólio de investimentos e os horizontes temporais das famílias (em que empresas ou ativos escolhem investir e por quanto tempo), o modo como estruturam a propriedade e a governança de suas empresas, as formas de obter capital para crescimento e de orientar e unir a família em si.

Individualmente, o impacto de uma força disruptiva específica pode apresentar a uma empresa específica desafios, oportunidades ou ambos. Em conjunto, essas forças disruptivas indicam como devemos pensar sobre a empresa familiar e as habilidades necessárias para que as famílias mantenham suas empresas saudáveis e regenerem sua riqueza. Acionistas de empresas familiares precisam compreender como essas forças estão atuando em todo o empreendimento familiar – empresa familiar, atividades de investimento, atividades de impacto social, desenvolvimento de talentos e unidade familiar. E você não dispõe de anos para estudar essas forças. As coisas estão mudando rápido demais para isso.

COMO AS EMPRESAS FAMILIARES TORNAM-SE BEM-SUCEDIDAS HISTORICAMENTE

Empresas familiares costumam gerir bem os ciclos econômicos, mas geralmente não estão preparadas para lidar com grandes mudanças disruptivas. Historicamente, elas têm demonstrado excelente desempenho, em grande parte porque focam a excelência operacional. “Mantenha o sistema em bom funcionamento. Ajuste repetidamente. Melhore cada vez mais. É claro que precisamos comprar equipamentos melhores e trocar a função do pessoal ocasionalmente, mas devemos principalmente manter as coisas em plena operação”.

A fórmula para um sucesso duradouro é constituída, em grande parte, de: foco na vantagem competitiva nos negócios; ênfase na qualidade e em melhorias constantes; crescimento dentro do próprio setor ou em áreas adjacentes; reinvestimentos agressivos em seus negócios; fidelização de clientes, funcionários e fornecedores; manutenção da família em estado de harmonia e comprometida com a empresa; e escolha do sucessor certo para liderar a empresa. Esse modo de abordar o desempenho funcionou por gerações e pode parecer banal hoje, mas, na verdade, ele é inovador quando o assunto é melhoria de produtos e processos. Pesquisas demonstram que empresas familiares são mais inovadoras do que empresas não familiares. As culturas de empresas familiares de sucesso tendem a ser obcecadas com a qualidade dos produtos e serviços, a excelência operacional e a melhoria constante. Isso funcionou com perfeição para as empresas familiares até este ponto.

A ênfase na estabilidade e na tradição, aliada à melhoria constante, normalmente funcionava porque setores e modelos de negócios passaram por longos períodos de pouca mudança – intercalados por períodos eventuais de disrupção. Famílias e empresas familiares costumam se sair melhor em ambientes estáveis ou sob mudança gradual, porque esta é mais compatível com a cultura familiar. As famílias empresárias desejam permanecer conectadas aos seus funcionários, clientes e fornecedores fiéis e valorizados. Elas procuram manter intactas as hierarquias da família e da empresa e preferem fazer mudanças em um ritmo de vida mais natural, quando o universo parece conspirar a favor e ninguém pisa no calo de ninguém.

Com essa atitude como guia, não é surpresa que as empresas familiares tenham enfrentado seus maiores desafios durante as revoluções industriais, quando precisavam fazer rapidamente grandes mudanças na maneira como faziam as coisas e até mesmo no ramo em que atuavam. Toda revolução industrial foi desencadeada por uma grande mudança tecnológica (por exemplo, da energia hidráulica para a vapor, da energia a vapor para o motor de combustão, da tecnologia analógica para a digital) e, em cada um desses períodos disruptivos, muitas empresas familiares fracassaram porque não se adaptaram de modo suficientemente rápido às condições em transformação. Curiosamente, após a disrupção tecnológica ter feito com que muitas empresas familiares fechassem suas portas, algumas das mesmas famílias que fracassaram nos negócios logo aderiram às novas tecnologias e construíram novas empresas, que foram bem-sucedidas no emprego dessas novas tecnologias.

O SUCESSO HOJE EXIGE PENSAR COMO ACIONISTA

Em geral, empresas familiares gostam de novos desafios e têm habilidade em explorar novas oportunidades. Infelizmente, elas demoram a abandonar práticas e atividades que as definiram no passado. Mas o que deveria preocupar a todos é que elas são realmente péssimas em abandonar suas apostas perdedoras – como as apostas que fizeram em empresas em declínio, em práticas e tecnologias ultrapassadas, em pessoas que deixaram de ser capazes em seus cargos e em setores em extinção. Elas se apegam a essas propostas fracassadas por tempo demais.

Isto deveria assustá-lo, porque se há algo que as famílias empresárias devem fazer com eficiência e agilidade, nesses tempos disruptivos, é abandonar coisas que deixaram de funcionar. Isto exige que líderes e acionistas de empresas realmente reconheçam que estão perdendo em um investimento feito e entendam que às vezes não podem fazer com que sua aposta dê bons resultados. Para isso, é necessário ganhar altitude, desapegar-se da empresa e pensar como acionista.

Aqueles que possuem uma mentalidade de operador costumam ser muito lentos para perceber esses problemas. Eles podem simplesmente estar demasiadamente apegados à empresa, à tradição ou ao legado, ou mesmo a algumas pessoas. Ou eles enxergam os problemas, mas pensam que podem achar uma saída para eles por meio de alguma inovação. Em geral, isto é imprudente; não se aposta contra seu setor. É como em um cassino. É pouco provável que você ganhe.

ACIONISTAS FAZEM AS MUDANÇAS ACONTECER

Nossa abordagem para gerir mudanças também deve se transformar de modo fundamental. Nas empresas, famílias e na sociedade, as coisas sempre mudaram – mas as mudanças geralmente ocorriam a um ritmo que famílias fortes e inovadoras normalmente podiam absorver. Hoje, a mudança tornou-se frenética, fundamental, instável e implacável. Foi a própria mudança que mudou. Aquilo que, no passado, as famílias podiam levar duas ou mais gerações para entender a respeito de sua missão, empresa e outras atividades empresariais, hoje em dia elas devem entender rapidamente.

As famílias não têm mais tempo de sobra para descobrir gradualmente como se adaptar às mudanças que ocorrem em sua situação. Elas devem ser elas mesmas a força da mudança em suas empresas. Devem fazer a mudança acontecer. O grupo de acionistas familiar deve ser o giroscópio estável, o centro de gravidade e o motor da mudança.

Para estar no centro das várias forças que atuam sobre a empresa, as famílias devem possuir plena clareza quanto à missão e aos valores do empreendimento familiar. E a missão não pode ser algo como: estamos aqui para fabricar este produto específico ou fornecer este tipo de serviço específico, neste local e desta maneira específicos. A missão da empresa familiar deve estar centrada no crescimento e na transmissão de valor econômico, social e relacional, enquanto a empresa continua a existir de acordo com os valores que a família e a empresa definem como significativos.

DUAS MENTALIDADES IMPORTANTES

Para manter uma empresa prosperando e crescendo ao longo de gerações, são necessárias duas mentalidades distintas– e os acionistas devem levar ambas em consideração.

A primeira delas é a mentalidade do operador, com foco na excelência operacional ágil – ela é capaz de atender às necessidades do cliente, ao mesmo tempo em que administra custos, inova, fica atenta à concorrência, adapta-se aos problemas da cadeia de suprimentos, cria um local de trabalho reativo e atraente, e lida com os variados problemas operacionais e pessoas que surgem constantemente. Para ser um bom operador, é preciso meter a mão na massa, ficar com as antenas ligadas e manter os pés no chão – para combinar três metáforas úteis. A maioria das famílias empresárias contém excelentes operadores e tenta transmitir essa perspectiva à geração seguinte. Raramente vejo necessidade de melhorar a mentalidade do operador, mas frequentemente vejo a necessidade de calibrá-la.

As famílias devem também ter uma mentalidade de acionista, que é diferente da mentalidade de operador. Para ter uma mentalidade de acionista, você precisa ganhar altitude em relação à sua empresa e ser bom em fazer dois tipos de apostas:

  1. Em investimentos (incluindo o momento de retirar-se de apostas ruins), e
  2. Em pessoas (incluindo o momento de trocar as pessoas em cargos essenciais).

Os dois tipos de apostas são importantes para que a família e sua empresa tenham sucesso de longo prazo. A maioria das apostas em funcionários e investimentos é feita pela administração ou Conselho da empresa. Mas grandes apostas em investimentos e em pessoas costumam chegar ao nível dos acionistas para que estes possam dar suas contribuições ou tomar decisões: devemos assumir mais dívidas, atrair um investidor ou abrir o capital? Devemos vender uma linha de negócios específica ou toda a empresa? Devemos entrar nesse novo setor? Quem deve ser o próximo CEO?

É claro que essas decisões são abalizadas pela análise da gerência e por recomendações sensatas do Conselho de Administração e de outros consultores. Ainda assim, mesmo com bons conselheiros, as decisões mais importantes de uma empresa familiar geralmente recaem aos acionistas da família. Em tempos disruptivos, esses são os tipos de decisões que costumam conduzir uma empresa ao sucesso ou à falência.

DESENVOLVA UMA MENTALIDADE DE ACIONISTA:

4 perguntas a fazer aos acionistas da família:

  1. Qual é a nossa missão como família (o que realmente estamos tentando realizar)?
  2. Em que somos realmente bons?
  3. Quais são nossas responsabilidades e o que pode ser proveitosamente delegado a funcionários e conselheiros externos à família?
  4. Que tipo e níveis de retorno esperamos de nossas atividades?

Ambas as mentalidades ajudam a garantir o sucesso e a sustentabilidade da empresa familiar. Eu aconselho ter “A Equipe” de gerentes e funcionários essenciais, mas “A Equipe” de acionistas familiares também é necessária. Bons acionistas não descuidam de forma alguma da excelência operacional, mas delegam-na a uma equipe de gestão capacitada. Os acionistas devem incorporar à empresa os valores da família, munir os gerentes da visão dos acionistas e da estratégia aprovada pelo Conselho e deixá-los atuar. Eles devem ser encarregados de projetar melhores produtos e melhores processos. Espera-se, então, que os acionistas deem um passo acima e vejam as coisas na perspectiva da propriedade.

Alguns acionistas são capazes de possuir as duas mentalidades. Outros possuem apenas uma delas – o que é aceitável, desde que levem em consideração o valor da outra. O que se deve evitar em grupos de acionistas é que uma das mentalidades – geralmente a do operador – torne-se o credo do grupo. Se alguns acionistas ou consultores apontarem que o setor está amadurecendo ou passando por alguma disrupção, e que a empresa familiar não pode ter sucesso nesse ambiente e talvez seja hora de vendê-la, eles não devem ser rotulados como hereges. Os acionistas precisam apreciar o valor de ambas as perspectivas.

PERMITA-SE PENSAR COMO ACIONISTA

Durante décadas, as famílias foram incentivadas a conduzir bem suas empresas familiares, o que significa aumentar o valor econômico da empresa familiar e transmiti-lo à geração seguinte. Esta diretriz não quer dizer apoiar a empresa mesmo quando ela ou seu setor está perdendo valor e as condições não podem ser remediadas. E tampouco significa manter a empresa inalterada quando as habilidades e interesses da família exigirem um portfólio diferente de atividades empresariais.

O mandamento correto dos acionistas é “Construir Valor de acordo com seus Valores” ao longo de gerações. Insistir na propriedade de qualquer empresa específica não é algo realista e nem uma característica necessária dos bons líderes. Empresas sobem e descem em popularidade e valor, setores amadurecem e os interesses e habilidades das famílias mudam com o tempo. O modo como uma família cria valor econômico e social pode mudar ao longo do tempo; muitas vezes, ele precisa mudar para que uma família permaneça financeiramente viável.

Permitam-se pensar como acionistas. Estruturem conversas periódicas no nível dos acionistas. Adotem a mentalidade dos acionistas.

MONTE SUA EQUIPE DE ACIONISTAS ATIVOS

Em geral, acionistas que lidam com decisões críticas no nível de propriedade enfrentadas pelo sistema trabalham para a empresa ou atuam em seu Conselho. Às vezes não fazem nem uma coisa nem outra, mas são acionistas importantes, com discernimento suficiente para ajudar a tomar e a apoiar as principais decisões. Chamamos esse pequeno grupo de pessoas de Acionistas Ativos. Eles devem ter conhecimento sobre a empresa e outras atividades de criação de riqueza da família. Devem igualmente entender a empresa, seu setor e grupo de gestão, a situação financeira e as necessidades, interesses e capacidades da família. Algumas famílias têm apenas um Acionista Ativo; outras têm vários. Se a sua empresa possui vários, eles devem comportar-se como uma equipe.

A mentalidade correta dos Acionistas Ativos enfatiza a “criação prazerosa de valor” de longo prazo, a experimentação empreendedora e a diversificação ponderada, adotando novos modos de pensar, abandonando, em tempo hábil, as atividades ultrapassadas que destroem valor e mantendo um consumo prudente da família e sua empresa. Eles se concentram em aumentar e transmitir Valor e Valores.

Mais do que nunca, seu sucesso e sobrevivência exigem boas decisões em nível de propriedade. Quero que você esteja preparado para tomar decisões importantes, aquelas que acionistas devem tomar. Você terá que enfrentar tais decisões mais cedo do que imagina.

Founder and Chairman, Cambridge Family Enterprise Group; Senior Lecturer and Faculty Director, Family Enterprise Programs, MIT Sloan School of ManagementJohn A. Davis is a globally recognized pioneer and authority on family enterprise, family wealth, and the family office. He is a researcher, educator, author, architect of the field’s most impactful conceptual frameworks, and advisor to leading families around the world. He leads the family enterprise programs at MIT Sloan. To follow his writing and speaking, visit johndavis.com and twitter @ProfJohnDavis.