Há cinco anos, ocorria o desastre de Brumadinho (MG). Em 25 de janeiro de 2019, a barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale, se rompeu, matando 270 pessoas e contaminando toda a região. Pouco mais de três anos antes, o solo mineiro já tinha registrado outra catástrofe: o rompimento de uma barragem da Samarco, em Mariana, que vitimou 19 pessoas e causou um tremendo desastre ambiental.
Na época da tragédia de Brumadinho, escrevi um texto indicando falhas na governança e nos mecanismos de controle e fazendo sugestões de melhoria. Passados cinco anos, cabe voltar e fazer um balanço do que ocorreu e como evoluímos neste período. Recentemente, o Estadão publicou um artigo de minha autoria com algumas reflexões sobre avanços no setor de mineração deste então. Hoje, quero aprofundar a reflexão especialmente nas mudanças promovidas pela Vale.
A transformação da Vale
Os profissionais que militam na área mineral sempre viram os executivos da Vale como “narizes empinados” e “donos da verdade” por atuarem em uma empresa de sucesso. Quando o desastre de Mariana aconteceu, em novembro de 2015, a empresa – uma das controladoras da Samarco junto com a BHP – demorou a se manifestar. Alegaram que não era uma operação da Vale, mas de uma subsidiária, como forma de se eximir da responsabilidade, o que faz crer que não tiraram nenhum ensinamento da catástrofe. Aqui, vale trazer uma informação atualizada: em 25 de janeiro, a Vale foi condenada pela Justiça Federal a pagar R$ 47,6 bilhões juntamente com a Samarco e a BHP – decisão que ainda cabe recurso.
Mas se a Vale tentou não se envolver diretamente no caso de Mariana, isso não foi possível com Brumadinho. A nova tragédia foi um choque para os executivos e os deixou apavorados. Na época, a empresa correu o risco de quebrar e ter de vender seus ativos de forma individual. O Conselho de Administração não tinha nenhum membro com expertise em mineração. Todos eles tinham background financeiro, o que diz muito sobre a mentalidade da empresa e seu foco em custos e margens de lucro. Aspectos ligados à segurança da operação vinham em segundo plano.
E como diz o escritor James Clear, “as pessoas seguem incentivos, não conselhos”. Como um engenheiro de geotecnia da equipe iria confrontar seu superior cuja maior motivação eram metas atreladas a indicadores financeiros a priorizar a segurança?
Após Brumadinho, a Vale promoveu uma mudança radical em sua cultura. Um fato que contribuiu para consolidar a governança da Vale e evitar tantas interferências políticas em sua gestão foi o fato de, em 2021, ela passar a ser uma corporação, uma empresa sem controlador (73,88% das ações estão nas mãos dos minoritários). O BNDES vendeu toda a sua participação; a Previ vendeu parte dela, ficando com 8,7% e o direito a duas posições no Conselho de Administração. Os demais acionistas atualmente são Mitsui, BlackRock, Bradespar e Cosan.
Abaixo, listo algumas das principais iniciativas da direção, dos acionistas e do Conselho da Vale no período:
- O Conselho incorporou executivos com experiência em mineração – hoje 5 dos 13 conselheiros têm experiencia na área mineral;
- Foi realizada uma análise da cultura da empresa e do que seria necessário mudar. O diagnóstico foi claro: não sabemos tudo e temos muito a aprender, especialmente no que diz respeito à segurança de barragens;
- Houve a criação de um comitê independente com membros internacionais de renomada experiência no setor com reporte direto ao Conselho. A missão era fazer um diagnóstico da situação das barragens e sistemas de monitoramento existentes. Ao longo de três anos este grupo avaliou e recomendou ações a serem realizadas na gestão das barragens;
- A empresa passou a contar com uma vice-presidência técnica com linha direta ao CEO. Seu foco é cuidar de segurança, inovação e gestão, e seus integrantes não têm objetivos atrelados a resultados econômicos de produção ou vendas;
- Todas as barragens contam com um engenheiro de geotecnia responsável pela operação;
- A empresa passou a utilizar indicadores de organismos internacionais, como o padrão global GISTM, para fazer o monitoramento das barragens. Com eles é possível fazer a comparação com outras empresas globais;
- O Conselho passou a ter sessões planejadas ao longo do ano para discutir o monitoramento e riscos das barragens.
Conclusões
- Tragédias e crises são gatilhos para mudanças. O caso de Brumadinho trouxe transformações significativas para a Vale e todo o setor. Em menos de 15 meses o Lehman Brothers, uma empresa com 158 anos de vida, foi do auge à bancarrota. O mesmo aconteceu com Enron, Fannie Mae e Nokia, entre outras. A Vale poderia ter desaparecido se não tivesse reagido rapidamente e se seus executivos, acionistas, controladores e membros do Conselho não tivessem tomado decisões corajosas.
- A Vale se reestruturou. Admitiu seus erros, buscou ajuda e tem hoje um Conselho atuante e que entende a gestão de mineração e seus riscos.
- A governança foi reforçada e levou à criação de mecanismos de controle alinhados às melhores práticas globais.
- A mineração continua a ser, ao lado do agronegócio, um dos pilares da nossa economia. Por isso, em vez de crucificar o setor, o foco deve estar no debate sobre como mitigar impactos e riscos ambientais.
A mineração fatura R$ 250 bilhões/ano e gera R$ 80 bilhões/ano com a arrecadação de impostos. As exportações são da ordem de U$ 40 bilhões/ano. O saldo comercial deste segmento representa 30% do total, o que mostra sua importância para a economia brasileira.
Para migrar todas as suas barragens para o sistema a seco e desativar as antigas, a Vale vai investir R$ 29 bilhões até 2035 (a empresa reporta que 54% da produção em MG já foi readequada, enquanto no Pará 96% da produção já utiliza essa técnica). O acordo de reparação relacionado a Brumadinho chegou a R$ 37,7 bilhões, valor superior ao da correção do sistema. Fica evidente para executivos do setor que prevenir e buscar métodos seguros de produção e estocagem de rejeitos é mais econômico do que correr o risco de causar um novo desastre ambiental.
Temos hoje os pilares para suportar o crescimento da mineração: uma legislação atualizada, órgãos ambientais atuantes e com protocolos estabelecidos e tecnologia de comprovada eficácia.
Desejo que essas lições possam ser aprendidas e que o Brasil possa continuar contando com seu sistema de mineração, desde que explorando de forma ambientalmente saudável nossas riquezas minerais.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.