Você já ouviu falar em investimento sistêmico para promover mudanças sociais? Esse conceito – ainda pouco disseminado no Brasil – vem sendo estudado pelo pesquisador Jason Jay, diretor da Sustainability Initiative no MIT Sloan e associado à Cambridge Family Enterprise Group (CFEG), propondo uma alternativa para realizar investimentos sociais.
O investimento sistêmico preconiza a coordenação de esforços para resolver uma questão complexa para determinada comunidade, partindo da causa do problema e utilizando todos os capitais de que se dispõe – não apenas o financeiro, mas também humano, social, intelectual e político – para criar soluções transformadoras, dar escala aos recursos aplicados e até mesmo gerar recursos financeiros.
O modelo pode ser aplicado por diversos tipos de empresas e organizações, e pode ser especialmente interessante para direcionar a atuação social e/ou ambiental de famílias empresárias. As famílias empresárias destacam-se pela sua perspectiva de longo prazo, preocupação com o impacto e o legado de suas ações, e ao contrário de instituições financeiras, elas possuem capital flexível para investimentos, não estando vinculadas ao dever fiduciário de maximizar retornos a curto prazo. Por essas razões e devido também à experiência da CFEG globalmente com o tema, nossa equipe local está trazendo o conceito para famílias empresárias que atendemos no Brasil.
Essas famílias costumam ter fortes vínculos com as comunidades onde estão inseridas. Além da geração de emprego e renda, é comum realizarem doações e apoios diversos para o desenvolvimento social das localidades apoiando soluções pontuais. Porém, muitas vezes esse apoio é realizado de forma dispersa e isolada, gerando limitações financeiras e de impacto.
O que o investimento sistêmico propõe é alinhar uma causa e dar foco à atuação a partir de um problema que pode ou não estar ligado à atividade das empresas da família. A escolha da causa pode surgir de uma demanda da comunidade ou já fazer parte de um desejo dos fundadores, por exemplo. Uma das possibilidades também é usar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), conjunto de metas globais propostas pela Organização das Nações Unidas, para direcionar a definição dessa causa.
Após a escolha do desafio que será enfrentado, é necessário utilizar uma abordagem sistêmica para compreender o contexto do problema e sua complexidade, mapear os atores envolvidos e definir qual a mudança desejada. Com isso, é possível definir como será feito o investimento e atrair organizações e pessoas que possam contribuir para realizar a transição que se espera. A base do investimento sistêmico é agregar valor por meio da sinergia, gerando retornos sociais e financeiros ao construir ecossistemas ou indústrias completas e não apenas organizações ou negócios individuais.
Um dos casos estudados por Jason Jay e a equipe do MIT Sloan foi o de Betsy e Jesse Fink, um casal americano que em 2005 começou a atuar no combate ao desperdício de alimentos nos Estados Unidos. O trabalho desenvolvido combinou doações filantrópicas, investimentos diretos em startups, bolsas de estudo para desenvolver profissionais e a formação de uma organização específica para liderar o trabalho.
Segundo o estudo de caso, os milhões investidos pelos Fink catalisaram milhares de milhões de investimentos anuais em uma rede de soluções complementares para combater o problema. O projeto gerou novos dados e percepções sobre como o desperdício alimentar se manifestava em toda a cadeia de valor, atraiu um fluxo de negócios para a causa e mobilizou capital financeiro para a busca de soluções e a evolução do sistema alimentar.
É claro que nem todo investimento sistêmico precisa ter a mesma abrangência e impacto. Mas entendo que esse conceito pode inspirar as famílias empresárias para dar foco, potencializar seus investimentos sociais e utilizarem também suas conexões e relacionamentos institucionais para alcançar mais resultados.
Você já conhecia o tema? Conhece algum caso de projetos e ações já realizados por famílias empresárias que, buscando solucionar um problema, contribuíram para provocar transformações sociais? Se você já realizou ou conhece alguma iniciativa com esse perfil, temos o maior interesse em conhecer. E se sua família está pensando em desenvolver projetos de impacto e tem interesse em conhecer mais sobre o investimento sistêmico recomendo este podcast do John Davies e Jason Jay conversando sobre o assunto e este artigo com informações adicionais. Também estou à disposição para trocar ideias sobre o tema.
Claudia Ramirez
Consultora Sênior – Cambridge Family Enterprise Group
Atua em projetos de governança e impacto positivo com famílias empresárias e altos executivos no Brasil e na América Latina.
Já atuou desenvolvendo iniciativas de baixo carbono e sustentabilidade em parceria ao Ministério das Cidades do Brasil, Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido, e como parte da Consultoria Steer, liderou projetos junto ao Banco Mundial e WRI Cidades Sustentáveis, entre outros.
É graduada em Engenharia Civil, com mestrado na University College London e um ano de intercâmbio na Hong Kong University of Science and Technology.