Como trabalho com famílias empresárias, naturalmente atendo vários clientes que atuam no varejo, dado o tamanho deste nicho e sua importância para a economia. Recentemente, fizemos uma análise mais aprofundada para entender o cenário atual considerando que 2023 foi bastante turbulento para alguns players deste segmento.
O que percebemos foi que a maioria dos nossos clientes do varejo, senão todos eles, seguem registrando expansão. Então, penso que não há uma crise generalizada desencadeada por questões estruturais, como as notícias relacionadas às gigantes do setor podem fazer crer, e sim problemas de gestão. Abaixo, compartilho as principais conclusões desta análise que fizemos na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG).
O setor varejista brasileiro é uma potência. As 300 principais empresas deste segmento faturaram R$ 1 trilhão em 2022 (elas correspondem a 10,56% do PIB), anotando crescimento de 17% em relação ao ano anterior. O varejo representa a maioria dos “primeiros empregos” de jovens que entram no mercado de trabalho. Somente o comércio gera cerca de 10 milhões de empregos formais.
O varejo engloba vários segmentos. Considerando o bloco das 300 maiores empresas, a divisão é a seguinte:
- 49,6%: supermercados;
- 9,2%: moda, calçados e artigos esportivos;
- 8,7%: móveis e eletrodomésticos;
- 12,4%: drogarias e perfumarias;
- 10,8%: lojas de departamento.
De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Varejo, cerca de 170 empresas registram faturamento acima de R$ 1 bilhão. Destas, 24 têm mais de mil lojas e 39 empregam mais de dez mil funcionários.
O impacto estrutural da economia
O setor é impactado pela inflação e pelos juros elevados, pois ambos pressionam a renda, encarecem o crédito e impactam na liquidez das empresas.
O mercado de trabalho apresentou melhoras ao longo do ano, com aumento na geração de empregos e ampliação da renda média. O ano deve fechar com criação de 100 MM de empregos formais e um taxa de desemprego de 7,5% a menor desde 2015.A renda média aumentou 3,8%.O crescimento real do setor em 2023, já descontando a inflação, foi de 2%, segundo a Confederação Nacional da Indústria. Ou seja: houve ampliação no setor como um todo, mas tivemos empresas que foram muito bem e outras que foram muito mal e acabaram gerando as notícias negativas amplamente noticiadas na imprensa. Os casos mais alarmantes foram:
Lojas Americanas
Nas últimas semanas foi comunicado ao mercado o acordo com os credores. A empresa vai se capitalizar em R$ 24 bilhões: metade do capital virá dos bancos credores e a outra metade, dos acionistas de referência. A Americanas, fundada em 1929, foi adquirida há 41 anos, em 1982, pelo Grupo 3G.
O valor de mercado da empresa, que chegou a R$ 42 bilhões em 2020, despencou para R$ 0,82 bilhão. A empresa vem apresentando resultados negativos desde 2020, e no ano passado o prejuízo anunciado foi de R$ 12 bilhões.
A dívida líquida é da ordem de R$ 32 bilhões. A empresa reconheceu que houve fraude e manipulação de resultados, possivelmente motivados pela agressiva política de remuneração de executivos baseada em criação de valor de mercado. Pela relevância do aporte realizado, é simples concluir que a empresa vem gerando resultados negativos há muitos anos, o que demonstra falha nos controles de gestão. Já escrevi alguns artigos sobre a Americanas logo que a informação de resultados contábeis manipulados foi divulgada, no início de 2023 (se quiser conferir depois, é só clicar aqui, aqui e aqui).
Quando a crise explodiu, toda a diretoria foi substituída. Um novo CEO foi contratado, anunciando o fechamento de 120 lojas em 2023 e projetando o encerramento de mais 50 a 60. As ações tiveram uma desvalorização de 90% no ano e hoje valem R$ 0,92.
Lojas Marisa
É uma das empresas mais tradicionais do varejo, com faturamento próximo a R$ 3 bilhões em 2022. Mas vem apresentando resultados negativos nos últimos cinco anos. Em 2023, fechou mais de 90 lojas e vendeu seu negócio financeiro. Em declaração à imprensa, o atual CEO disse que a empresa tinha ótimas margens, mas custos e inadimplência muito altos, o que indica gestão inadequada.
O prejuízo no último trimestre foi de R$ 196 milhões e no acumulado do ano, de R$ 408 milhões. O Sua dívida líquida é de R$ 449 milhões, e a empresa tem dificuldade em se capitalizar. Segundo o jornal Valor Econômico, as ações tiveram desvalorização de 44% neste ano.
Magazine Luiza
Recentemente a companhia informou que resultados anteriores serão revistos por erros na contabilização. Após a informação de que necessitaria de R$ 2 bilhões de aporte para se capitalizar, o CFO afirmou que a capitalização não seria necessária.
O erro de contabilização inflou os resultados em R$ 830 Milhões nos últimos anos e agora serão abatidos do patrimônio líquido.
A dívida líquida reportada é de 4,12 bilhões (uma relação dívida/EBITDA de 1,72).
Os ajustes contábeis devem aumentar em R$ 202 milhões o já reportado prejuízo de R$ 461 milhões, conforme informações da empresa.
O lucro líquido tem sido negativo desde 2022. O market cap despencou para menos da metade nos últimos anos com uma tremenda perda de valor para os investidores. A política agressiva de crescimento e aquisições não gerou os resultados esperados. A Kabum, uma das empresas adquiridas, briga na justiça com a Magalu.
Atualmente, a rede possui 1.049 lojas físicas e o volume de vendas está em queda. As ações estão cotadas a R$ 2,10 – uma desvalorização de 19% no ano.
Casas Bahia-Via Varejo
Outra das empresas mais tradicionais do varejo brasileiro, fundada há mais de 60 anos. Possui mais de 1.100 lojas físicas e 26 centros de distribuição. Sua receita é da ordem de R$ 30 bilhões, mas desde 2020 vem apresentando prejuízos financeiros. Tem dívida líquida de R$ 7 bilhões e relação dívida líquida/EBITDA de 7,68.
A empresa trocou de CEO em 2023 e fez vários planos de reestruturação, mas a credibilidade no mercado é baixa, tanto que as ações tiveram uma desvalorização de 82% no ano.
O prejuízo até setembro era da ordem de R$ 1,6 bilhão. Em agosto houve o anúncio do fechamento de até 100 lojas. Seis mil colaboradores foram demitidos, e o plano é reduzir o estoque em R$ 1 bilhão.
Destaques do setor
É interessante verificar que no mesmo setor em tese afetado pela conjuntura econômica temos empresas que continuam crescendo de forma saudável. Importante também destacar que as companhias com bom desempenho são todas familiares e com alta influência dos controladores na gestão. Aqui vão alguns exemplos:
Gazin
Trata-se de um grupo do interior do Paraná que foi fundado por Mario Gazin. Faturou R$ 6,2 bilhões no ano passando e registrou lucro líquido de R$ 560 milhões.
A rede possui 320 lojas espalhadas em 10 Estados e tem 23 centros de distribuição.
Um de seus principais negócios é a venda por atacado, com crescimento e rentabilidade constantes. No último trimestre, foram abertas mais 15 lojas.
Lojas CEM
Empresa com 71 anos de atividade, tem previsão de faturamento de R$ 7 bilhões em 2023. Conta com 306 lojas e opera totalmente com financiamento próprio. Seu modelo é baseado na venda por meio de lojas físicas, com pouca operação digital.
A filosofia do grupo fica clara quando ouvimos as declarações de seus executivos, que defendem que “varejo é gente” e destacam a importância de cuidar do ambiente das lojas. “Cuidar do espaço físico é crucial, então buscamos ser impecáveis da fachada ao banheiro, criando um ambiente climatizado e atraente ao consumidor”, afirmou José Domingos Alves, diretor de Lojas da rede. “Fazemos bem o básico e com simplicidade. E fazer o básico não é simples.”
Lojas Havan
É um destaque entre as lojas de departamento, com faturamento estimado para o ano de 2023 da ordem de R$ 10 bilhões e lucro líquido de R$ 4 bilhões. A Havan está entre as 12 maiores empresas de varejo do Brasil. Possui 174 lojas e anotou crescimento de 13% em 2022. Seu modelo de negócio único se diferencia pela logística e verticalização da operação, variedade de produtos e competitividade de preços.
Entre os destaques, podemos ainda citar o Grupo Zema, de Minas Gerais, que possui 472 lojas espalhadas pelo interior e em 2023 ampliou as vendas em 17%, encerrando o período com receita estimada de R$ 2 bilhões.
No setor de supermercados temos o Grupo Mateus, que faturou R$ 25 bilhões até setembro de 2023 (lucro líquido de R$ R$ 2 bilhões) e tem expansão e resultados constantemente positivos ao longo dos anos.
Conclusões
A análise das empresas de um mesmo setor que em tese são afetadas pelos mesmos impactos da economia mostra disparidade de resultados e rentabilidade:
- A avaliação indica que as empresas que estão em crise tiveram uma má gestão nos últimos anos. Uma evidência disso é que dentre as quatro empresas citadas, três tiveram seus gestores substituídos por decisão dos controladores e Conselhos de Administração;
- As empresas mais conservadoras e com baixo endividamento conseguiram superar melhor os ciclos da economia e mantiveram ritmos de crescimento sustentáveis;
- A chamada “crise do varejo”, que na verdade é uma crise de gestão, fez com que os bancos reduzissem o crédito ao setor fazendo com que as empresas que precisam renovar suas linhas de crédito tivessem dificuldades adicionais, além de arcarem com um alto custo dos financiamentos, o que não é sustentável em um setor com margens baixas;
Caso tenha interesse em receber uma cópia deste estudo que fizemos na Cambridge Family Entreprise Group, entre em contato comigo por mensagem privada.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto
Luana Abrão
Analista Sênior – Cambridge Family Enterprise Group
Atua em projetos de estruturação de Governança Corporativa e Familiar há 4 anos na Cambridge Family Enterprise Group. Graduada em Administração de empresas e Economia pelo INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa, com Minor em Gestão e Políticas Públicas. Especialização em gestão estratégica na Vrije Universiteit – Holanda (2019). Trabalhou como consultora de Resolução Eficaz de Problemas na FEMSA, com foco no aumento de produtividade em todas as filiais do país para uma demanda variável.