Resumo: A trajetória da Marabraz revela os desafios da governança em empresas familiares, destacando a importância da unidade familiar para a sustentabilidade do negócio. Comparando o caso com o sucesso da Votorantim e os conflitos da família Murdoch, o texto apresenta lições valiosas e propõe um modelo de governança para garantir a longevidade e o legado das empresas familiares.
A trajetória da Marabraz ilustra os desafios e oportunidades únicos enfrentados pelas empresas familiares, especialmente na intersecção entre os círculos da Família, Empresa e Propriedade, propostos no Modelo dos Três Círculos de John Davis. Desde sua fundação em 1952 pelo imigrante libanês Abdul Fares, a Marabraz passou por fases de crescimento expressivo, conflitos internos e disputas que ameaçaram sua continuidade. Este texto analisa a história da Marabraz à luz dos conceitos de governança familiar, comparando-a com o sucesso da família Ermírio de Moraes, da Votorantim S.A., e os desafios enfrentados pela família Murdoch, controladora de um império midiático global. A partir dessas análises, extraem-se lições para a sustentabilidade e governança de empresas familiares.
A Ascensão e as Contradições da Marabraz
A história da Marabraz começa com Abdul Fares, que em 1952 iniciou um negócio de artigos de cama, mesa e banho como mascate em São Paulo. A primeira loja física, Credi-Fares, surgiu em 1972. Após o falecimento do fundador, em 1986, seus filhos assumiram a liderança e renomearam o negócio como Marabraz. A partir de então, a empresa viveu uma fase de expansão acelerada, marcada pela aquisição de novos centros de distribuição e campanhas publicitárias com personalidades de destaque.
Entretanto, o crescimento da empresa foi acompanhado por conflitos familiares que colocaram em xeque sua governança. Em 1995, Fábio Fares, um dos herdeiros, simulou sua saída da empresa como estratégia em um processo de divórcio. A situação escalou, culminando na saída definitiva de Fábio em 2005 e em longas disputas judiciais com seus irmãos. Em 2019, a segunda geração da família entrou na disputa judicial, o que agravou ainda mais os conflitos. O episódio mais recente, em 2024, envolvendo acusações entre Abdul e seu pai, Jamel Fares, expôs a fragilidade dos laços familiares e a ausência de mecanismos eficazes de resolução de conflitos.
Votorantim: Governança e Sustentabilidade Familiar
A história da família Ermírio de Moraes demonstra como a governança estruturada pode assegurar a perenidade de uma empresa familiar. A criação da holding Hejoassu, em 2001, foi um marco no alinhamento entre os quatro ramos familiares, promovendo coesão e separação clara entre os papéis de gestão e propriedade. O Conselho de Família, instituído no mesmo ano, tornou-se um fórum para resolução de conflitos e preservação dos valores familiares.
Além disso, a migração dos acionistas da gestão direta para os Conselhos de Administração e a inclusão de membros independentes refletiram a busca pela profissionalização. Iniciativas como o Instituto Votorantim, criado em 2002, e a Reservas Votorantim, em 2012, reforçam o compromisso com a responsabilidade social e ambiental, integrando valores familiares à estratégia empresarial.
Comparando a Votorantim com a Marabraz, observa-se que a primeira investiu na implementação de estruturas robustas de governança, enquanto a segunda permitiu que conflitos pessoais contaminassem a gestão. A Votorantim conseguiu alinhar os círculos da Família, Empresa e Propriedade, garantindo sua continuidade ao longo das gerações.
Murdoch: Uma Família Dividida
A família Murdoch, controladora de um império midiático global, exemplifica os riscos de uma governança inadequada em empresas familiares. Sob a liderança de Rupert Murdoch, o Murdoch Family Trust foi criado em 1999 para organizar a sucessão e garantir o controle familiar. Contudo, essa estrutura tornou-se o foco de disputas. Em 2024, Rupert tentou alterar os termos do trust para conceder controle exclusivo a Lachlan, seu filho. A tentativa desencadeou uma batalha judicial entre Rupert e seus outros três filhos, expondo a falta de consenso sobre o futuro do império.
Assim como a Marabraz, a família Murdoch enfrentou dificuldades em separar interesses pessoais dos empresariais, o que resultou em conflitos prolongados e na fragmentação da unidade familiar. A ausência de um protocolo claro de governança contribuiu para a escalada das disputas, colocando em risco o legado construído.
Lições Extraídas e Propostas de Governança
Os casos analisados oferecem lições valiosas sobre os desafios e as oportunidades de governança nas empresas familiares. A experiência da Marabraz destaca como a ausência de um planejamento sucessório claro e de mecanismos de mediação familiar pode comprometer a continuidade do negócio. Por outro lado, o exemplo da Votorantim evidencia a importância de investir em estruturas de governança, como conselhos familiares e protocolos que definam papéis e responsabilidades.
A unidade familiar, como enfatizado no conceito de Family Enterprise Sustainability de John Davis, é um pilar essencial para o sucesso multigeracional. Sem ela, o crescimento de ativos e o talento familiar podem ser insuficientes para garantir a sustentabilidade do negócio. Tanto a Marabraz quanto a família Murdoch ilustram como a falta de alinhamento entre os círculos da Família, Empresa e Propriedade pode levar a disputas judiciais, desgastes emocionais e perdas financeiras.
Para empresas familiares que buscam perenidade, recomenda-se:
- Estabelecer um protocolo familiar: Regras claras para a entrada, saída e participação de membros da família no negócio são essenciais.
- Criar um conselho de família: Um fórum para resolução de conflitos e alinhamento estratégico.
- Definir critérios objetivos para a sucessão: A sucessão deve ser baseada em competências, e não apenas em relações familiares.
- Promover a inclusão de profissionais de mercado em órgãos da governança: A inclusão de membros independentes nos conselhos aumenta a transparência e reduz a influência de conflitos pessoais.
Conclusão: Governança como Alicerce da Sustentabilidade
A análise da Marabraz, em contraste com a Votorantim e a família Murdoch, reforça a ideia de que a governança é um elemento central para a sustentabilidade das empresas familiares. A história da Marabraz, marcada por disputas e falta de alinhamento, serve como um alerta sobre os riscos de negligenciar a unidade familiar. Já a Votorantim exemplifica como a clareza na governança pode preservar o legado e garantir a continuidade do negócio.
A jornada de uma empresa familiar é longa e repleta de desafios. Ao priorizar a governança, a comunicação transparente e o respeito aos diferentes papéis dentro do sistema familiar, as empresas podem construir um legado duradouro, garantindo a prosperidade do negócio e a harmonia familiar ao longo das gerações.
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Bruna Tokunaga
Sócia – Cambridge Family Enterprise Group
Sócia desde 2020, atua na empresa desde o início das operações no Brasil, especializada em planejamento estratégico familiar, governança, sucessão e desenvolvimento das próximas gerações, combinando sabedoria e cuidado para guiar famílias e empresas em processos transformadores. Com mais de 20 anos de experiência, atuou como Head de Carreira e Desenvolvimento no Grupo Cia de Talentos, liderando projetos para grandes organizações como Itaú, Unilever, Johnson&Johnson e Carrefour. Psicóloga e Mestre em Psicologia pela PUC-SP, atualmente é Doutoranda pela Universidade de Buenos Aires. Autora do livro “Crise dos 30 – A adolescência da vida adulta” (Editora Integrare, 2017), sua abordagem integra psicologia, estratégia e desenvolvimento humano. Certificada como Conselheira de Administração e membro do Comitê de Pessoas pelo IBGC, possui ainda formações em coaching, mentoring e inteligência emocional. Seus cases de sucesso incluem a implementação de programas de governança familiar e de sócios que resultaram em maior alinhamento estratégico entre gerações e redução significativa de conflitos, reforçando sua capacidade de entregar soluções que unem expertise técnica e sensibilidade humana.
Aurelio Formoso
Consultor Sênior– Cambridge Family Enterprise Group
Especializado em Governança Corporativa, com mais de 20 anos de experiência em Finanças, Gestão e Estratégia para os setores público e privado. Formado em Administração pela FGV-EAESP e em Ciências Sociais pela USP, com Mestrado em Administração Pública e Governo (FGV-EAESP), ele une conhecimento técnico e visão estratégica para desenvolver e implementar modelos de governança e gestão, especialmente em empresas familiares. Certificado como Conselheiro de Administração e membro do Comitê de Auditoria e Risco pelo IBGC, já liderou projetos de modelagem de Controladoria e desenho de processos de Controles Internos, resultando em ganhos de eficiência e transparência. Com vivência acadêmica como professor de Planejamento Estratégico e Estratégia Competitiva, e atuação como perito judicial no Tribunal de Justiça de São Paulo desde 2017, ele traz credibilidade e profundidade técnica para cada desafio, alinhando as melhores práticas de governança às necessidades específicas de seus clientes.