É muito contraditório: apesar de sermos um povo que se formou a partir da mistura de várias raças, somos preconceituosos. Existem inúmeras manifestações de preconceito, algumas reportadas com mais destaque na mídia, como o racismo, e outras mais silenciosas, como a falta de oportunidade para as mulheres em cargos de liderança e/ou posição nos Conselhos de Administração, tema deste artigo que publiquei recentemente.
Existe ainda outra modalidade pouco comentada, mas muito presente no dia a dia: o preconceito contra os idosos. Ele se manifesta nas piadas de mau gosto e, sobretudo, na falta de oportunidades no mercado de trabalho.
Há cerca de duas semanas uma pessoa que trabalhou comigo em uma das empresas pelas quais passei me enviou uma mensagem pedindo ajuda para se recolocar. Ela comentou que não estava conseguindo sequer participar de processos seletivos. Supercompetente, essa pessoa tem atualmente 47 anos. Acho uma aberração que nesta idade não consiga a chance de se apresentar numa entrevista para contar sua trajetória e compartilhar sua experiência. Este fato me despertou para a necessidade de preparar alguns artigos sobre etarismo.
É importante que os setores de recrutamento enxerguem além da idade, único filtro que parece estar sendo usado. É preciso entender a relação entre idade/experiência/competência. Para contribuir com o debate, listo alguns tópicos:
1. Nosso país está envelhecendo, assim como o mundo
Dados do IBGE indicam que o segmento da população que mais aumenta no Brasil é o de idosos (a partir de 65 anos). A taxa de crescimento no período de dez anos (2012-2022) foi de mais de 4% ao ano, um incremento anual de mais de 1 milhão de pessoas nessa faixa etária.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que o número de pessoas no planeta com mais de 60 anos chegará a 2 bilhões até 2050 (um quinto da população mundial).
De acordo com pesquisa do Senai de 2021, existem no Brasil 9,3 milhões de trabalhadores com idade acima de 50 anos, número que vem crescendo ano a ano, em função principalmente de mudanças no sistema de previdência realizadas para contemplar o cenário de envelhecimento da população. Nos últimos 15 anos aumentou 110%. É uma população que não pode ser ignorada pelo mercado de trabalho. Então, se sua empresa não observa as tendências e despreza esta fatia importante da população nos seus programas de recrutamento, possivelmente terá dificuldades no futuro.
2. O conceito de idoso mudou; atualize-se!
Ainda associamos idade a aposentadoria, dependência e doença. Mas este é um paradigma ultrapassado. O avanço da medicina aliado à tecnologia nos proporciona uma vida mais longeva.
As Nações Unidas relatam que em menos de quatro décadas a expectativa média de vida saltou de 52 anos para 72 anos. No Brasil, passou de 48 anos para 75 anos. De acordo com pesquisa realizada em parceria pelo SPC Brasil e pela CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas), 34% das pessoas com mais de 60 anos continuam trabalhando após a aposentadoria.
3. “Economia Prateada”: você sabe o que é?
As pessoas com mais de 50 anos consomem intensamente, inclusive pelos meios digitais. De acordo com pesquisa da Kantar Ibope Media, os brasileiros com 60 anos ou mais estão entre os primeiros em consumo via redes sociais. Este público dos 50+ responde por 23% do consumo de bens e serviços com uma renda estimada em R$ 940 bilhões, segundo levantamento do Sebrae.
Inclusive, um novo termo já foi cunhado: “Economia Prateada” (“Silver Economy”). Dados da FGV indicam que pessoas com mais de 65 anos representam 17% dos 5% mais ricos do Brasil. O Sebrae informa que a “Economia Prateada” é considerada a terceira maior atividade econômica do mundo, movimentando globalmente US$ 71 trilhões/ano.
A pesquisa Oldiversity, do Grupo Croma, indica que 71% das pessoas com mais de 60 anos passaram a preferir consumir produtos e serviços de marcas que atuam a favor da diversidade. Então, acho que está na hora de adaptar seu negócio para atender este público – e ter na equipe pessoas nesta faixa de idade pode ser interessante.
4. Idade cronológica x idade funcional
Rengin Firat, neurocientista e pesquisadora sênior no Korn Ferry Institute, diz que idade física e funcional não são a mesma coisa. Pessoas da mesma idade podem ter atividades e comportamentos completamente diferentes dependendo do seu estilo de vida. Pessoas que possuem fortes conexões sociais, se envolvem com atividades que são intelectualmente estimulantes e praticam exercícios físicos mantêm sua atividade funcional estendida por vários anos.
A capacidade de se adaptar e aprender novas habilidades para continuar crescendo com uma mente aberta para novas experiências é fundamental para se manter ativo no mundo dos negócios, que não tem nada de estático. Se você tiver outros dados relevantes sobre este tema, fique à vontade para deixar nos comentários. Dessa forma, podemos ampliar o movimento contra o etarismo nas empresas.
Meu intuito é estimular as empresas a repensarem seus filtros e fluxos internos, fixando-se menos na questão etária e mais no que cada candidato (a) tem a agregar. Ao remover esse filtro um tanto estereotipado, as áreas de recrutamento vão encontrar candidatos na faixa de 50+ muito bem-preparados.
JOÃO BOSCO SILVA
Consultor Sênior e Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.