Quando se fala em “empresa familiar”, quase todo mundo entende do que se trata. É o negócio criado por alguém da família e que, com o tempo, passou a contar com filhos, irmãos ou outros parentes na operação ou nos conselhos. Mas e quando falamos de “família empresária”? Parece a mesma coisa — e é aí que mora o risco de confusão.
Embora os termos sejam parecidos, a diferença entre empresa familiar e família empresária não é só uma questão de semântica. Ela representa dois modos completamente distintos de enxergar o papel da família no negócio — e, principalmente, o papel do negócio na vida da família.
Empresa familiar: o presente
A empresa familiar é, em essência, uma organização controlada por membros de uma mesma família. Eles podem ser sócios, gestores ou os dois ao mesmo tempo. Aqui, o foco muitas vezes está no negócio: manter o faturamento, lidar com os desafios do dia a dia, tocar a operação. A família participa, sim — mas quase sempre de forma reativa, resolvendo os problemas conforme eles aparecem.
Não é raro vermos empresas familiares que vivem presas ao curto prazo, sem tempo (ou energia) para pensar no futuro. Sucessão? Só quando o fundador “decidir parar”. Governança? Um luxo para depois. Estratégia? Algo que “a gente vê no próximo ano”. Esse modelo até pode funcionar por um tempo. Mas ele costuma ser frágil diante de mudanças, conflitos internos ou disputas de poder entre herdeiros.
Família empresária: o futuro
Já a família empresária é outra história. Aqui, o foco está na família como núcleo que pensa estrategicamente o seu papel como dona e guardiã de um patrimônio — não só financeiro, mas também simbólico, cultural e afetivo.
A família empresária entende que o negócio não é um fim em si mesmo, mas um meio para construir algo maior e mais duradouro: uma trajetória que atravessa gerações. Ela não apenas atua no presente, mas se organiza com visão de longo prazo, assumindo a responsabilidade de preservar e reinventar esse legado.
Para isso, constrói pontes entre gerações, define valores comuns, investe na formação dos jovens, cria estruturas de governança e, acima de tudo, entende que o que sustenta o negócio é a coesão familiar — e não o contrário.
Os cinco pilares da família empresária
Segundo diversos estudos sobre o tema, algumas características ajudam a diferenciar as famílias empresárias mais sólidas:
- Propriedade com propósito: A família detém (e quer manter) o controle do capital, mas com clareza sobre o que isso representa e exige.
- Fatores socioemocionais: Existe um vínculo afetivo com o negócio, que alimenta identidade, orgulho e senso de pertencimento.
- Visão de futuro: O foco está na perenidade, não apenas na rentabilidade. O que importa é passar o bastão com consistência.
- Identidade familiar forte: A família tem valores, princípios e uma cultura que norteia suas decisões — e que muitas vezes se reflete na própria marca.
- Influência responsável na gestão: Membros da família participam ativamente (ou se preparam para isso), mas de forma estruturada e profissionalizada.
Por que essa diferença importa?
Porque transformar uma empresa familiar em uma família empresária é uma virada de chave. É deixar de olhar apenas para a empresa como ativo econômico e começar a enxergar a família como instituição que precisa ser preparada, desenvolvida e alinhada.
É esse olhar que garante que o negócio continue existindo mesmo quando os fundadores não estiverem mais à frente. E que evita os tantos casos de dissoluções por conflitos, heranças mal resolvidas ou sucessões mal conduzidas.
No fim, a pergunta que vale fazer não é “como vai a sua empresa?”, mas sim: “como está a sua família empresária?”. A resposta a essa pergunta pode dizer muito sobre o futuro do seu legado.
Famílias Empresárias na prática
Esse movimento de transformação já foi feito por diversas famílias no Brasil e no mundo, especialmente por aquelas que entenderam que seu verdadeiro ativo não é a empresa em si, mas a coesão familiar e a visão de longo prazo. A família Agnelli, por exemplo, construiu seu legado à frente da Fiat. Mesmo após a reorganização do setor automotivo e a criação da Stellantis, manteve-se unida por meio da holding Exor, com investimentos estratégicos em mobilidade, mídia e saúde. A família Wates, no Reino Unido, liderou por décadas uma das maiores construtoras britânicas e, após reestruturar parte de suas operações, direcionou seus esforços para investimentos de impacto e filantropia, com uma governança familiar sólida. Já no Brasil, a família Moreira Salles, antiga controladora do Unibanco, permaneceu coesa após a fusão com o Itaú e hoje atua como investidora por meio da Itaúsa, com presença relevante em empresas como Alpargatas, Dexco e Aegea.
Esses exemplos mostram que, mesmo diante de mudanças significativas como a venda de um ativo principal, famílias empresárias bem organizadas continuam criando valor, preservando seu legado e renovando seu propósito. O que as une não é mais apenas a operação de um negócio, mas uma estratégia compartilhada, construída com método, identidade e clareza de futuro.
Como ir de empresa familiar para família empresária?
Já parou para pensar o que sua família tem de diferente das outras? Ou o que vocês têm de único entre si ou até mesmo para onde estão caminhando? Pode parecer estranho ver a família como uma instituição, mas são estes fatores que compõem uma família empresária.
É preciso que os membros da família compartilhem uma visão de futuro em comum. Na Cambridge Family Enterprise Group, damos a isso o nome de “Estratégia da Família Empresária”, e é a partir dela que estabelecemos a identidade da família, o legado que será deixado e os objetivos que serão alcançados. A partir daí, estabelecemos a governança, a estratégia dos negócios, a preparação das novas gerações, as ações de preservação do legado, entre outros.
Essa Estratégia da Família Empresária é o ponto de partida, mas ela se desdobra em outras duas camadas fundamentais que precisam caminhar juntas. A estratégia da propriedade define o que os acionistas esperam do seu patrimônio: qual o nível de controle desejado, como será tratada a liquidez, como os investimentos serão direcionados e qual o horizonte de continuidade. Já a estratégia dos negócios está relacionada aos caminhos que as empresas do grupo vão seguir para crescer, inovar ou até diversificar. Quando essas três esferas: família, propriedade e negócios, estão bem alinhadas, a tomada de decisão se torna muito mais fluida, os conflitos diminuem e o legado se fortalece com consistência.
Dali em diante, qualquer decisão se torna muito mais fácil, clara e fluida, já que todos estão olhando para o mesmo horizonte. Um dos segredos aqui é o alinhamento entre os membros, algo que costuma ser difícil de se alcançar sozinho. É aqui que nós da Cambridge Family Enterprise Group podemos ajudar sua família na transição para uma família empresária.
Para saber mais
Quer conhecer mais sobre famílias empresárias? Leia alguns dos artigos produzidos pela Cambridge Family Enterprise Group no Brasil e no mundo:
Como o modelo dos três círculos mudou a forma de entender a empresa familiar
O impacto do senso de pertencimento no protagonismo do acionista
Famílias empresárias: Educação sobre o negócio pode começar na infância
Fontes utilizadas:
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