Nos últimos anos tivemos uma grande evolução na gestão da governança das empresas no Brasil graças ao trabalho tão determinado e de alto nível realizado por entidades como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e a própria bolsa de valores. Os empresários brasileiros passaram a ver os benefícios de se ter previsibilidade, redução de riscos e alinhamento com as melhores empresas do mercado.
Um ponto que é fundamental que esteja claro é que a boa governança não deve ser vista como custo, e sim como um investimento necessário para empresas que pensam no longo prazo e na criação de valor. Já sabemos, por exemplo, que bancos oferecem condições especiais de empréstimo às empresas que têm boa governança. Também foi apontado, por meio de um estudo realizado pela consultoria McKinsey com investidores de 22 países, que eles estavam dispostos a pagar um prêmio entre 18% e 28% por ações de empresas com as melhores práticas de governança.
Eventualmente surgem casos que afetam a credibilidade da governança e a gestão dos Conselhos de Administração, como ocorreu com a Americanas. E todo mundo fica se perguntando: como uma empresa que é registrada na B3 e tem Conselhos, comitês de assessoramento e auditorias reputadas cometeu erros tão evidentes sem que os sistemas de controle detectassem? Onde ocorreram as falhas?
Já publiquei no LinkedIn alguns artigos sobre o caso Americanas, mas a ideia neste texto, que encerra a série que escrevi sobre governança, é outra:compartilhar práticas de Conselhos de Administração eficientes. Eles possuem características comuns, que listo abaixo:
Ausência de dominância de opiniões no grupo
Os Conselhos eficazes não possuem dominância de um ou mais integrantes, nem mesmo do presidente do Conselho, de um acionista ou do CEO. O grupo é equilibrado e todos se expressam de forma clara para chegar à melhor decisão.
Existência de um mandato claro dos sócios controladores para o Conselho e para os executivos
Outro ponto importante para garantir a eficácia é possuir um mandato claro dos sócios controladores, no qual ficam explícitos seus desejos em termos de cultura e valores, objetivos de crescimento e retorno e gestão de risco. Esta é uma excelente prática que temos implantado nas empresas em que atuamos, e que passa por um alinhamento dos sócios em relação aos objetivos estratégicos futuro.
Construção de agenda anual para temas estratégicos e alinhados com o mandato dos Acionistas
Uma falha comum nos Conselhos é entrar tanto na gestão da rotina a ponto de deixar de focar em questões mais estratégicas para o futuro da empresa. Uma agenda anual que contempla os temas relevantes e que esteja alinhada ao mandato dos acionistas traz disciplina para que tópicos críticos sejam tratados ao longo do ano. Cabe ao Conselho ajudar os gestores a olhar para o futuro, identificar oportunidades e ameaças com potencial de comprometer o negócio.
Definição de níveis de alçada para aprovação nas reuniões do Conselho
Uma boa governança inclui a criação de níveis de alçadas conforme a importância estratégica e valor envolvido em cada um dos níveis da organização. Os gestores, inclusive o CEO, possuem determinada autonomia para aprovação de matérias. Isso também vale para o Conselho, a quem cabe aprovar, por exemplo, o orçamento anual, o plano estratégico proposto pelos gestores, investimentos de capital relevantes. Estes temas que requerem aprovação devem ser tratados no início da reunião, utilizando o tempo necessário para debater e aprofundar a análise.
Atenção especial à remuneração de executivos e operações envolvendo partes relacionadas
Os casos recentes envolvendo grandes fraudes que levaram algumas empresas à falência, como Enron, WorldCom e Banco Panamericano, ou ao “rombo”, como Americanas, estão relacionados à remuneração de executivos. Escrevi sobre isso quando publiquei o primeiro artigo sobre o caso da Americanas, que você pode ler aqui.
Nesta semana, uma empresa do ramo imobiliário viu o preço de suas ações despencar quando o acionista controlador fez a venda de um terreno sem consultar o Conselho e os minoritários. Empresas com boa governança possuem regras claras envolvendo operações entre partes relacionadas
Manutenção da disciplina e dos rituais necessários para o bom funcionamento do Conselho
É importante ter uma agenda acordada entre os participantes e enviar o material a ser discutido com antecedência, assim como registrar em ata (assinada por todos) as principais decisões e as pendências a serem esclarecidas pela gestão em reuniões futuras. Todas essas atas e informações devem ser arquivadas em local de fácil acesso a todos participantes. Uma boa prática é ter uma secretária de governança que atua junto com o presidente do Conselho para garantir que este protocolo seja cumprido no prazo.
Realização de avaliação externa do Conselho a cada três anos
Essa avaliação externa é importante para melhorar a qualidade das decisões. Dentre os pontos que devem ser considerados, estão:
- Composição, diversidade e habilidade do grupo estão alinhadas aos objetivos estratégicos da empresa?
- A dinâmica das discussões é boa e inclui a participação de todos?
- Há interação e harmonia entre os membros do Conselho e os principais executivos?
- A agenda cobre os principais temas estratégicos e potenciais ameaças e oportunidades?
- Existe um acompanhamento dos planos de sucessão, especialmente nos níveis mais críticos da organização?
- O grupo é eficaz na tomada de decisão?
Não se trata de um processo para avaliar individualmente os conselheiros, mas de verificar se o conjunto está sendo eficaz ao endereçar os desafios da empresa. Essa é uma prática que temos utilizado com muito sucesso entre nossos clientes.
Relação de harmonia entre o Conselho, CEO e executivos
Este é um ponto fundamental para o bom desempenho da empresa. O CEO deve ver o Conselho como aliado na troca de informações e tomada de decisão, ao mesmo tempo em que os conselheiros devem buscar ajudar os executivos nas decisões com suas experiências e sugestões. Quando a vaidade excessiva prevalece, estas interações ficam comprometidas.
Conselhos de Administração eficientes costumam adotar essas boas práticas. Atualmente, um dos desafios do mundo dos negócios é a atualização de seus conselheiros. Por isso, a CFEG promove anualmente, em Boston, um seminário com este intuito: a troca das melhores práticas globais a partir de experiências reais. Se você tem interesse em participar, entre em contato conosco para saber mais.
Autor:
JOÃO BOSCO SILVA
Consultor Sênior e Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.