Hoje quero falar sobre a trajetória de duas mulheres inspiradoras que receberam destaque na imprensa nos últimos dias e que considero exemplos a serem seguidos. As duas histórias têm muita relação com temas que abordei recentemente em outros artigos aqui.
Escrevi há alguns meses sobre a necessidade de aumentar a diversidade nos Conselhos de Administração e nos postos de liderança das empresas trazendo mais mulheres para participar destas posições. Também escrevi uma série de artigos sobre o preconceito que ainda existe no nosso país com relação aos idosos (o último deles está aqui). Os casos que vou compartilhar mostram situações em que foram rompidas barreiras tradicionalmente impostas devido ao gênero e a idade das profissionais.
A volta da fundadora da Tok&Stok
O primeiro caso é o de Ghislaine Dubrule, que fundou junto com seu marido, Régis, a rede varejista de móveis e decoração Tok&Stok em 1978. Os fundadores venderam o controle da empresa (60%) em 2012 a um fundo de investimentos. Ghislaine continuou a frente da gestão da empresa por mais cinco anos. Em 2017, o fundo controlador resolveu fazer um IPO e achou que o mercado gostaria de ter um gestor profissional à frente da empresa.
Desde então, cinco CEOs passaram pela gestão, quase um a cada ano, e a empresa entrou em crise: atingiu R$ 600 milhões em dívidas, recebeu aporte de R$ 100 milhões de seus controladores e fechou 17 lojas, o que ocasionou demissões. Agora, o fundo controlador chamou de volta a fundadora. Olhando em retrospectiva, ela avaliou que “foi feito um plano de negócios muito agressivo, com alta alavancagem e endividamento que levaram a uma situação de alta fragilidade”.
Durante 40 anos de administração da família, a empresa nunca teve um único ano de prejuízo. Os novos gestores, além do ritmo acelerado de crescimento e alavancagem, optaram pelo caminho da digitalização e da tecnologia, mas se esqueceram das vantagens competitivas da marca e da cultura dos fundadores.
Ghislaine assume agora com a missão de reerguer a empresa, conquistar novamente a rentabilidade e resgatar a imagem da marca que, segundo ela, é “rebelde, colorida e não segue os padrões de mercado”. Cheia de vitalidade e planos aos 73 anos, ela pretende provar que gestão eficaz não está ligada à idade, mas aos valores, à cultura e à liderança que trouxeram a empresa até aqui. Esta mulher corajosa e destemida merece nosso aplauso, sendo um exemplo para as novas gerações.
A cientista brasileira premiada em Boston
Outro caso que ganhou destaque nos meios de comunicação é o da médica brasileira Angelita Habr-Gama, que foi premiada em Boston com a medalha Bigelow no dia 6 de novembro. Ela nasceu na ilha de Marajó, no Pará, filha de imigrantes libaneses refugiados de guerra, e enfrentou inúmeros desafios para se formar em medicina na Universidade de São Paulo.
Angelita é a primeira mulher do mundo a receber a medalha Bigelow, reconhecimento criado pela renomada Sociedade de Cirurgia de Boston, dos Estados Unidos, para laurear os cirurgiões que tenham destacada contribuição para o progresso científico e o ensino da cirurgia. É também a primeira vez que a honraria é entregue a um cientista da América Latina. O prêmio foi criado em 1916 e em seus mais de 100 anos foi concedido a apenas 34 profissionais no mundo.
As pesquisas de Angelita estão relacionadas ao tratamento de câncer no reto. Ela trouxe uma abordagem inovadora demonstrando que era possível evitar a cirurgia, que tem um pós-operatório difícil para o paciente, por meio de quimioterapia e radioterapia. Quando apresentou sua tese pela primeira vez em um congresso científico foi criticada, pois naquele momento não se acreditava ser possível evitar a cirurgia. Hoje, o método é aceito mundialmente.
A doutora Angelita tem 90 anos e é uma inspiração para muitos e muitas jovens que iniciam suas carreiras e frequentemente lutam contra preconceitos e dificuldades. Ela considerou o prêmio não apenas uma conquista pessoal, mas também uma vitória para o Brasil e para todas as mulheres.
Em uma entrevista para o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo em que falou sobre o reconhecimento e foi convidada a compartilhar uma mensagem com jovens médicos, ela reforçou a importância de manter uma prática de estudos mesmo depois de finalizado o período formal de faculdade e especializações. “Até hoje, dedico minhas tardes de domingo ao estudo, mas também reservo tempo para ir ao cinema, jantar fora ou encontrar familiares e amigos”, destacou.
As trajetórias dessas duas mulheres mostram que a criatividade não é privilégio dos jovens: está também entre os “coroas”. Em segmentos muitos distintos de atuação, elas foram desbravadoras e continuam até hoje encarando desafios. O Brasil precisa de heróis para inspirar nossos jovens e aqui temos dois exemplos de heroínas inspiradoras e admiráveis. Se você conhece outros casos como os de Ghislaine e Angelita, compartilhe comigo que tenho o maior interesse em conhecer essas histórias.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.