Resumo: Neste artigo, exploramos a importância da diversificação como estratégia de continuidade e criação de valor para famílias empresárias. Enquanto a teoria econômica tradicional sugere que a diversificação pode destruir valor, ao diluir o foco estratégico das empresas, a prática entre grupos familiares revela uma lógica distinta: a diversificação surge como resposta à necessidade de proteger o legado, manter a coesão familiar e enfrentar a volatilidade do ambiente de negócios.

Introdução

Famílias empresárias têm um papel relevante na economia global. Ao longo do tempo, enfrentam o desafio de preservar e ampliar seu patrimônio em cenários incertos. Uma resposta frequente tem sido a diversificação do portfólio — não apenas por motivos financeiros, mas como forma de continuidade e união familiar.

Neste artigo, mostramos por que tantas famílias seguem esse caminho, mesmo quando a teoria econômica tradicional sugere que a diversificação reduz o retorno dos acionistas.

O paradoxo da diversificação

A teoria clássica sustenta que empresas mais focadas tendem a gerar mais valor. Conglomerados, segundo Porter, tendem a destruir valor por falta de sinergias entre os negócios. Já a McKinsey aponta que, entre 2000 e 2010, empresas focadas entregaram um retorno total ao acionista (TSR) médio de 11,8%, enquanto conglomerados apresentaram um retorno médio de apenas 7,5% — uma diferença de mais de 4 pontos percentuais. Mas famílias empresárias desafiam esse padrão. Elas seguem diversificando — por quê?

Em um ambiente de negócios cada vez mais volátil e competitivo, as empresas familiares enfrentam um desafio particular: equilibrar o dinamismo exigido pelo mercado com a preservação de um legado que atravessa gerações. Diferentemente das empresas de capital aberto ou startups orientadas por ciclos de retorno mais curtos, as empresas familiares carregam consigo uma dimensão emocional e patrimonial que amplia sua responsabilidade em relação ao futuro. Por isso, pensar no longo prazo não é apenas uma escolha estratégica — é uma exigência estrutural.

Além disso, mais do que apenas o lucro, as famílias empresárias buscam preservar um legado, manter a coesão e proteger o que chamamos de riqueza socioemocional (SEW). Como mostra um estudo de 2010 de Gomez-Mejia et al, a família evita decisões que ameacem seu controle e identidade. Assim, a diversificação é uma forma de preservar ou ampliar esse capital afetivo. Um estudo de 2018 da pesquisadora Na Shen e uma análise recente de Hafner e Pidun reforçam que o desejo de proteger a continuidade e reduzir riscos pode incentivar a diversificação — especialmente quando há mudanças de geração ou ameaças externas.

A pesquisadora Jennifer Pendergast, em 2022, destaca que famílias investem juntas não só por eficiência, mas para manter alinhamento e propósito comuns. Diversificar, nesse contexto, é uma escolha estratégica, afetiva e, muitas vezes, uma questão de sobrevivência.

O papel da diversificação na sustentabilidade de Empresas Familiares

O contraste entre a trajetória da Cox Enterprises, nos Estados Unidos, e a do Grupo Abril, no Brasil, ilustra a importância da diversificação estratégica em empresas familiares. Fundadas por líderes visionários e com raízes no setor de mídia impressa, ambas as empresas cresceram em contextos de forte influência familiar e protagonismo editorial. No entanto, tomaram rumos bastante distintos diante das transformações do mercado e das mudanças tecnológicas.

A Cox, criada em 1898 por James M. Cox, soube transformar sua vocação original no jornalismo em um grupo diversificado, com operações em mídia local, telecomunicações e serviços digitais para o setor automotivo. A criação de unidades como a Cox Communications e a Cox Automotive exemplifica uma postura proativa de adaptação, alavancada por uma governança profissionalizada e por uma visão de longo prazo. Hoje, a empresa permanece sob controle da família, com receitas superiores a 20 bilhões de dólares e forte presença em setores estratégicos da nova economia.

Em contraste, o Grupo Abril, fundado por Victor Civita em 1950, concentrou-se quase exclusivamente no segmento de revistas impressas por décadas. Mesmo diante dos sinais claros de transformação no consumo de mídia, a empresa tardou a reagir, adotando iniciativas digitais de forma fragmentada e pouco integrada. A ausência de uma estratégia consistente de diversificação, aliada a fragilidades na governança e na profissionalização da gestão, levou à perda acelerada de relevância e valor de mercado. Em 2018, o grupo entrou em recuperação judicial, desfez-se de diversos ativos e perdeu o protagonismo que teve por décadas no cenário editorial brasileiro.

Esses dois casos ilustram caminhos opostos. Enquanto a Cox usou a diversificação como instrumento de renovação e sustentabilidade do legado familiar, a Abril permaneceu ancorada em um modelo esgotado, comprometendo a continuidade do negócio e, em certa medida, da própria influência da família controladora.

Governança que viabiliza o longo prazo

Diversificar exige estrutura. Famílias que fazem isso com sucesso contam com governança clara, conselhos ativos e profissionais qualificados. Essa visão é alinhada com a nossa abordagem na CFEG, que observa que famílias bem-sucedidas tradicionalmente acumulam riqueza ao longo de gerações combinando boas decisões empresariais com união entre os acionistas.

Segundo essa perspectiva, o portfólio do empreendimento familiar tende a se construir de modo não estruturado — por meio de negócios iniciados por membros da família, investimentos promissores e iniciativas filantrópicas — e pode ganhar complexidade com o tempo, exigindo uma estratégia clara para garantir sua perenidade e propósito.

Diante disso, é comum a criação de fóruns de governança para apoiar a gestão do portfólio ou gestoras familiares (ex.: Family Office). Esses mecanismos ajudam a organizar a alocação de capital e equilibrar riscos e oportunidades — especialmente quando novas gerações assumem papel ativo, como mostra Shen.

É importante destacar que, no contexto da família empresária, o portfólio não se limita apenas a investimentos financeiros ou negócios distintos. O portfólio do empreendimento familiar muitas vezes inclui ativos operacionais, participações societárias, imóveis, investimentos financeiros e até projetos filantrópicos e sociais. Gerir esse conjunto de forma integrada é parte essencial de uma estratégia de longo prazo.

Diversificar com visão de legado

Famílias que diversificam com critério olham para o longo prazo. Criam suas próprias gestoras, fazem parcerias e compartilham investimentos com outras famílias. O objetivo vai além do retorno: buscam estabilidade e continuidade.

Um estudo de 2023 conduzido por Khatua, na Índia, mostra que grupos familiares amplamente diversificados conseguiram capturar valor mesmo em ambientes desafiadores. Governança eficiente e compartilhamento de conhecimento foram fatores-chave para isso.

No Brasil, também observamos esse movimento. Famílias empresárias vêm estruturando holdings, conselhos de investimento e veículos próprios de gestão patrimonial, combinando ativos operacionais, imobiliários e financeiros. Essa postura reflete uma visão de longo prazo, especialmente relevante diante dos desafios de sucessão, instabilidade econômica e necessidade de perpetuar o legado familiar.

Para onde diversificar

No entanto, diversificar sem uma estratégia adequada pode ser um desperdício de recursos e energia. Para que a diversificação gere valor e contribua para a longevidade da empresa familiar, é essencial que os novos negócios escolhidos combinem algumas dimensões. Em primeiro lugar, devem estar alinhados aos valores, ao propósito e à visão de longo prazo da família empresária, reforçando sua narrativa e coesão interna. Em segundo, é fundamental que representem uma oportunidade real de mercado, com potencial de crescimento e geração de valor sustentável. Por fim, os negócios precisam dialogar com as competências atuais e aspiracionais da família, ou seja, aquilo que ela já domina — ou tem disposição e capacidade de desenvolver.

Conclusão

A teoria costuma dizer que diversificar pode destruir valor. E, de fato, sem critério e clareza, pode mesmo. Mas quando olhamos para a prática de muitas famílias empresárias, vemos outra história sendo contada. Para elas, diversificar — com estratégia, propósito e estrutura — é muitas vezes uma forma de proteger o que construíram, manter os vínculos vivos e preparar o terreno para o futuro.

Essas famílias não estão apenas buscando retorno financeiro. Estão pensando em como continuar relevantes e como transformar o legado em algo que faça sentido também para as próximas gerações. E é aí que a diversificação pode ser um caminho — desde que trilhado de forma planejada e estruturada.

Nós da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG) ajudamos famílias a desenhar esse caminho com mais segurança: alinhando expectativas e interesses de onde a família quer estar no longo prazo, estruturando os processos de decisão e apoiando a formação das novas gerações. Porque no fim, mais do que proteger ativos, trata-se de preservar o que realmente importa — o espírito empreendedor, os laços familiares e a capacidade de seguir criando valor juntos.


 

RODRIGO PATAH
Consultor – Cambridge Family Enterprise Group

 

Com experiência internacional na assessoria a famílias empresárias, apoia a estruturação e implementação de governança corporativa e familiar, além da elaboração de acordos e políticas para acionistas. Também atua no fortalecimento da gestão e da estratégia de negócios, auxiliando empresas na construção de modelos alinhados a seus valores e desafios. Iniciou sua trajetória na MindMiners, empresa de tecnologia especializada em pesquisa digital, e participou de projetos para empresas na Alemanha e na Índia. Possui mestrado em Gestão Internacional e bacharelado em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas, com passagem pela Wirtschaftsuniversität Wien, na Áustria. Fluente em português, inglês e espanhol, e com nível avançado em alemão, traz uma visão global e multidisciplinar para a construção de legados empresariais sólidos.

 

 

VICTOR EIJI
Consultor – Cambridge Family Enterprise Group

Possui ampla experiência em projetos de alinhamento estratégico, governança corporativa e familiar, além de assessoria financeira. Ao longo de sua trajetória, participou de iniciativas de planejamento estratégico para diversos setores, avaliação de empresas em processos de fusões e aquisições (M&A), reestruturação financeira e desenvolvimento de estruturas de governança para empresas e famílias empresárias. Com formação em Administração de Empresas pela FGV – EAESP e atualmente cursando um Mestrado Profissional em Administração no INSPER, combina uma visão analítica e estratégica para apoiar o crescimento de negócios familiares. Seu trabalho é pautado na construção de soluções sólidas, garantindo equilíbrio para fortalecer a longevidade das empresas e o alinhamento entre sócios e gestores.


Referências

Angus, P. M. (2022). Your Family Business Needs a Board. Harvard Business Review.

Gomez-Mejia, L. et al. (2010). Diversification Decisions in Family-Controlled Firms. Journal of Management Studies.

Hafner, C., & Pidun, U. (2021). Getting Family Firm Diversification Right. Journal of Family Business Strategy.

Khatua, A. (2023). Why is Diversification Not Dead? Evidence from Family Business Groups during Economic Reforms in India. Journal of Family Business Strategy.

McKinsey & Co. (2020). Testing the Limits of Diversification. Corporate Finance Insights.

Pendergast, J. (2022). Crafting an Enterprise Strategy for Your Family Business. Harvard Business Review.

Porter, M. E. (1987). From Competitive Advantage to Corporate Strategy. Harvard Business Review.

Shen, N. (2018). Family Business, Transgenerational Succession and Diversification Strategy. Cross Cultural & Strategic Management. Crafting an Enterprise Strategy for Your Family Business. Harvard Business Review.