Existem cinco perfis de acionistas, de acordo com John Davis, fundador da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG): do obstrutivo, que bloqueia mudanças necessárias ao empreendimento familiar e muitas vezes pode “remar contra”, ao empreendedor, que toma decisões, assume riscos e dá o direcionamento estratégico. São dois extremos: um exemplifica o que não queremos ter no empreendimento familiar; o outro simboliza o perfil que gostaríamos que a maioria dos membros familiares adotassem.

E por que será que muitos membros familiares não alcançam esse ponto, parando em estágios anteriores? E de que forma esses outros perfis agregam ao empreendimento familiar?

Inicialmente, é preciso entender a importância do senso de pertencimento. De acordo com a pesquisadora e escritora Brené Brown, “o verdadeiro pertencimento não requer que você mude; requer que você seja quem é”. Ser membro de uma família empresária exige se preparar para contribuir, mas, antes disso, independentemente da contribuição escolhida, vem o fato de se sentir pertencente de alguma forma. Porque uma coisa é ser membro familiar e herdeiro, outra coisa é conhecer e atuar no ecossistema da família empresária como acionista. São papéis distintos, mesmo que ocupados pela mesma pessoa.

Para explicar melhor, vou usar uma analogia! Sabe aquele encontro de família que acontece no almoço de domingo, em que estão pais, tios e primos e na mesa uma bela macarronada? Pois bem, essa é uma ocasião completamente diferente do encontro com essas mesmas pessoas em uma reunião de trabalho que demanda a tomada de decisões.

No almoço de domingo você escolhe entre molho de tomate ou bolonhesa, pede para alguém te passar o sal e toma suco ou água, de acordo com seus gostos pessoais e sem conflitos sobre as escolhas dos demais ou necessidade de consenso. Na reunião de tomada de decisão vocês deverão decidir o que é melhor para o coletivo de acordo com a visão do presente e de futuro. Você se sentará não mais com seu pai, mas com o Presidente do Conselho, não com seu irmão, mas com um membro do Comitê Financeiro. E você estará lá como representante do Conselho de Família, por exemplo.

Essas relações envolvem o conhecimento do negócio, dos valores e da missão da família, além do entendimento sobre o papel que você ocupa nesta mesa e sobre o posicionamento que irá adotar. E tudo isso depende do seu preparo profissional.

Segundo Timothy R. Clark, que discorre sobre segurança psicológica, “os seres humanos querem ser incluídos, aprender, contribuir e finalmente… desafiar o status quo quando acreditam que as coisas precisam mudar”. Há uma progressão baseada na sequência natural das necessidades humanas que indica que o ser humano, ao não se sentir seguro, perde a capacidade de se conectar, aprender coisas novas, inovar e gerar resultados favoráveis para si mesmo e seu grupo de trabalho, fica apático.

Então, voltando aos estágios de contribuição que falei no início, vou fazer um paralelo entre os níveis de pertencimento e os tipos de acionista.

1º) Acionista obstrutivo: é indesejado já que dificulta o desenvolvimento, engajamento e crescimento do empreendimento familiar. Nem sequer apoia o ecossistema da família e pode atrapalhar o alcance de objetivos coletivos e colocar em risco a reputação.

Reflexão: quanto essa pessoa se sente excluída do grupo familiar – até mesmo como “simplesmente” membro? Ser ignorado é tão doloroso quanto ser rejeitado, e compartilhar a identidade de um grupo é o primeiro estágio para contribuir de algum modo, mesmo que seja como apoiador, o primeiro estágio que considero saudável para o desenvolvimento do empreendimento familiar.

2º) Acionista passivo: em geral não está envolvido em atividades de acionista. Não é obstrutivo, mas também não chega a ser apoiador. Essa neutralidade pode ser preocupante, pois a acomodação em não buscar evoluir seu pertencimento pode fazê-lo descer na cadeia, tornando-se obstrutivo. Ao não compartilhar dos valores e não compreender o propósito do empreendimento familiar, ele coloca em risco sua própria possibilidade de contribuição.

Reflexão: quão estagnada essa pessoa está em relação ao empreendimento familiar? Talvez nunca tenha tido conhecimento a respeito das atividades, da história, das conquistas e dificuldades do negócio. Pode nem compreender a importância do trabalho que a família produz e a importância do legado. A falta de informação e compreensão pode fazer com que o integrante deixe de lado o desejo de pertencer.

3º) Acionista apoiador: possui algum nível de conhecimento sobre o empreendimento familiar, participa apoiando as decisões e a direção dos assuntos, mas não chega a ter um papel específico e recorrente nas atividades como acionista. A maioria dos apoiadores se identifica como parte pertencente da família, reconhece e compartilha dos valores e entende o propósito.

Reflexão: este é um estágio crucial. É nele que as pessoas podem se sentir mais seguras para aprofundar o aprendizado sobre atividades do negócio, visão de futuro do empreendimento e sucessão patrimonial, além de ter mais convívio e conhecimento sobre os outros membros que atuam como executivos ou desempenham outros papeis como líderes do Family Office, de atividades sociais e filantropia, networkers, conselheiros. É um estágio em que a família deve focar na integração dessa pessoa para despertar ao máximo seu interesse, engajamento e motivação, deixando claro que há espaço para participar mais e que sua contribuição será bem aceita. Além disso, “não saber” faz parte do processo, mas o pertencimento dá conta de mostrar o caminho.

4º) Acionista ativo: neste estágio, a pessoa contribui efetivamente com o empreendimento familiar. É engajada e motivada pelos interesses da família empresária, contribui para que as decisões sejam tomadas de forma consistente e com união de propósito, compartilham e são exemplo dos valores familiares, além de prezar pela reputação.

Reflexão: este perfil se sente pertencente, ativo e mobilizador. Sente permissão e confiança para errar e acertar ao lado de sua família, tem o convite para agir tomando como base os valores, suas competências pessoais e aquelas que adquiriu ao conhecer melhor o negócio da família. A consequência é que essa pessoa mostrará sua contribuição de forma genuína e inspirará outras. Os acionistas ativos já começam a exercer um papel importante na criação de um ambiente seguro para que mais acionistas tornem-se ativos também, a partir de seu exemplo, engajamento e escuta ativa, podem ser verdadeiros promotores da perenidade.

5º) Acionista empreendedor (criador de riqueza): é o perfil que costumamos encontrar no controle do empreendimento familiar. Lideram os grupos de acionistas, assumem mais riscos, dão a direção, possuem um pensamento mais estratégico, mirando no futuro, e menos tático, do dia a dia. Este acionista é crucial para o empreendimento familiar hoje e amanhã, pois é o que será sucedido pelas próximas gerações. Por isso, estará encarregado de desenvolver um ambiente seguro e inclusivo para que mais acionistas se tornem ativos, no mínimo apoiadores.

Reflexão: criadores de riqueza não se sentem apenas pertencentes, mas parte construtiva do todo. Possuem um sentimento de autonomia e coragem para encarar os desafios em um ambiente seguro. Eles têm certeza de que outros estarão lá oferecendo apoio, costumam superar a pressão e o conformismo, participam ativamente de conversas difíceis e levam em conta os valores e a missão que sustentaram a família até aquele momento. Com traquejo para lidar com a diversidade de ideias, influenciam o senso de pertencimento dos outros tipos de acionistas, abrindo portas e gerando oportunidades de desenvolvimento.

Ser acionista de uma empresa familiar é um trabalho e não um direito de herança. No entanto, para que esse compromisso seja assumido verdadeiramente existe uma necessidade de ação individual. Em paralelo, é importante que exista uma cultura familiar que faça com que as pessoas se sintam seguras: um cenário em que suas falas não ameacem o pertencimento; em que se sintam incluídas, não apenas toleradas; em que sejam apoiadas se e quando decidirem se tornar acionistas de fato, sem que isso ameace a sua reputação ou fira a sua identidade.

Nosso objetivo na CFEG é provocar caminhos para que os empreendimentos familiares sejam terrenos férteis para a formação de acionistas apoiadores, ativos e empreendedores cada vez mais engajados, autênticos e profissionais.

 

 

Melissa Cuppari

Consultora Sênior – Cambridge Family Enterprise Group

 

Especialista em Desenvolvimento Humano, Coach e Mentora, com sólido conhecimento em gestão de pessoas, já que passou duas décadas no RH de Cias nacionais e multinacionais de diversos segmentos como construção civil (Votorantim e Mexichem), varejo, loyalty, marketplace, techfin (Dotz.inc), finalizando sua carreira corporativa como Head of HR.

Formada em Psicologia pela FMU, Pós Graduada em Gestão de Negócios pelo Mackenzie, Practitioner em PNL pela Academia Brasileira de PNL, Especializada em Educação Corporativa pela FIA, Imersão em Neurociência pela Conectomus, Mestranda em Resolução de Conflitos e Mediação pela Universidad Europea del Atlántico e Pós-graduanda em Neurociência aplicada: Produtividade e Performance Humana pela PUC-Campinas.