Liberdade com disciplina é a verdadeira liberdade.
Mestre Iogue B.K.S. Iyengar
A recente notícia sobre os conflitos entre os acionistas da centenária Lupo — membros da própria família fundadora — traz à tona um tema sensível, mas necessário: a vulnerabilidade das empresas familiares diante das transições geracionais.
Apesar de representarem a maioria das empresas no Brasil e no mundo, apenas uma pequena parcela dessas organizações consegue ultrapassar a terceira geração. O conhecido ditado popular “pai rico, filho nobre e neto pobre” reflete a realidade descrita por muitos estudos: a longevidade dos negócios familiares não é a regra, mas a exceção.
Mesmo com sua história centenária, a Lupo — hoje sob o comando da terceira geração — demonstra que nenhum legado está imune aos desafios internos. A questão não é a existência de conflitos, mas a forma como eles são enfrentados.
Com o tempo, o número de sócios familiares tende a crescer. Multiplicam-se os interesses, os estilos de vida, os níveis de envolvimento e as visões sobre o negócio. Isso torna a gestão do grupo societário uma das principais dores das famílias empresárias.
Um estudo da Cambridge Family Enterprise Group, com famílias empresárias brasileiras centenárias, identificou que a capacidade dos líderes de tomar decisões sustentada por uma eficaz coordenação entre os sócios é um dos principais fatores associados a perenidade.
A dinâmica familiar pode tanto favorecer quanto dificultar o processo decisório e, também, a gestão de conflitos. Fatores como abertura ao diálogo, respeito às diferenças, vínculos afetivos sólidos e o desenvolvimento pessoal dos membros da família costumam funcionar como uma blindagem que protege a continuidade do negócio familiar.
Além disso, à medida que os negócios se tornam mais complexos e o número de sócios- familiares aumenta, cresce também a necessidade de instrumentos formais de governança. Princípios como transparência, prestação de contas e equidade de informações entre os sócios são fundamentais para manter a confiança e gerir adequadamente as diferenças — especialmente em grupos societários numerosos. A ausência ou a demora na implementação de instrumentos formais de governança também tende a acentuar conflitos.
Cada família precisa olhar para sua trajetória e se perguntar: O que é inegociável em nossa cultura? O que nos trouxe até aqui? Estamos preparados para o futuro?
Não pretendo julgar ou oferecer respostas para o caso da Lupo. Como membro de uma família empresária, sei que apenas quem vive essa realidade entende a profundidade dos desafios envolvidos em uma transição geracional.
Cada família deve lidar com seus desafios à sua maneira, não há receita pronta. Mas sabemos que evitar o destino descrito no ditado das três gerações exige disciplina para tomar decisões importantes, antecipando problemas futuros.
A transição entre gerações vai muito além da escolha de um sucessor: envolve cuidar da coesão do grupo de sócios e preparar as novas gerações para exercerem seu papel de acionista ativos e contributivos com responsabilidade e visão.
Foi com esse propósito que criamos na PUC-Rio um programa dedicado à formação de acionistas. Afinal, é difícil encontrar no mercado profissionais preparados para esse papel: é dentro da própria família que essa competência precisa ser cultivada.
A trajetória da Lupo certamente é marcada por muitos acertos, mas é preciso reconhecer que o passado, por si só, não garante o futuro.
Renata Barbieri
Consultora Associada– Cambridge Family Enterprise Group
Renata Barbieri é Consultora Associada da Cambridge Family Enterprise Group-Brasil, uma organização internacional altamente especializada em consultoria, educação e pesquisa que atende empresas familiares. Fundada em 1989, dedica-se a ajudar as famílias a obter sucesso multigeracional para suas famílias, empresas e riqueza financeira. Renata é Acionista e Conselheira de Administração da ELFSM (empresa familiar com 75 anos no setor de distribuição elétrica), membro da equipe de coordenação de cursos de MBA e pós-graduação do IAG (Escola de Negócios da PUC/RJ), professora no IAG PUC-RJ nas disciplinas Governança Familiar e Planejamento Sucessório, e de Gestão e Governança na PUC-RJ desde 2009. Ela é membro do Conselho Consultivo de Governança e Compliance da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro) e do Fórum de Empresas Familiares do capítulo RJ IBGC. Renata é graduada em Economia pela PUC-RJ e Mestre em Administração pelo IAG PUC-RJ.