Vamos falar sobre aposentadoria? De acordo com o nosso dicionário, aposentadoria é o “período em que a pessoa deixa de trabalhar, devido a idade avançada e após atingir um determinado tempo de contribuição social”. Já no Japão, ela está associada a palavra Ikigai, cuja tradução é: “a razão que faz você acordar com disposição pela manhã”. Confesso que gosto muito mais dessa definição e é aqui que eu me encaixo.
Quem é que disse que a gente tem de se aposentar depois de completar 60, 60 e poucos anos, mesmo que ainda nos sintamos produtivos, criativos e capazes de agregar e provocar mudanças? Recorro novamente à definição do dicionário, que, já antecipo, acho discriminatória. Quando pesquisamos o verbete “adulto”, ele nos diz que existem três tipos: os jovens adultos (18 a 24 anos), os adultos meia idade (25 a 54 anos) e os adultos mais velhos (60 anos em diante ou aposentados).
Opa! Mas enquanto o dicionário diz que se você está com mais de 60 anos sua única opção é se aposentar, eu gostaria de propor uma nova definição para os adultos de 60+. São pessoas com conhecimento e vontade de focar em três pilares: capacidade de gerar renda, paixão pelo que faz e propósito de servir a sociedade.
Se você se enquadra nestes pilares, te convido a repensar a sua aposentadoria. Começo falando brevemente sobre o meu caso. Resolvi devolver à sociedade o muito que aprendi trabalhando com pessoas talentosas ao longo de 40 anos no mundo corporativo. Desde 2017, o foco do meu trabalho de consultoria são as famílias empresárias, nicho responsável por 80% da criação de empregos no nosso país. Contribuir para melhoria das condições sociais é meu propósito de vida, e atuar neste segmento passou a ser minha paixão. Sinto como se tivesse me preparado a vida toda para fazer o que faço agora, e sou feliz por não me enxergar na definição clássica do dicionário. Encontrei o meu Ikigai e estou realizado.
A reflexão que proponho a quem está chegando na casa dos 60 anos é: pense em como contribuir para a sociedade utilizando as habilidades e talentos que desenvolveu até este momento.
Warren Buffet, que está com 93 anos, tem uma fortuna estimada de US$ 84,2 bilhões – destes, US$ 81,5 bilhões vieram depois que ele completou 60 anos. Ele poderia ter se aposentado com essa idade, afinal, tinha patrimônio mais do que suficiente para isso! Mas não teria gerado toda esta riqueza e nem seria conhecido mundialmente. Sua contribuição ainda era enorme àquela altura, seria um desperdício.
O sistema de aposentadoria como conhecemos hoje foi criado no século 19 e me parece que não tem acompanhado o momento de envelhecimento da população com mais saúde e qualidade de vida. O chanceler alemão Otto Von Bismarck foi o primeiro a instituir, em 1883, um modelo de contribuições tripartite (trabalhadores, estado e empregadores) para garantir pensões para trabalhadores com mais de 65 anos; a idade média de vida da população na época, porém, era de 47 anos. O sistema de aposentadorias foi implantado nos Estados Unidos em 1935 por Franklin D. Roosevelt.
No Brasil, chegou pelas mãos de Getúlio Vargas em 1943, com a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT); antes disso, os trabalhadores atuavam até quando a saúde permitisse. O crescimento da educação e o aumento da longevidade permitiram que as pessoas conseguissem continuar trabalhando mesmo em idades mais avançadas, sem tanta dependência da força física. E mesmo com as atualizações que vem passando, o sistema previdenciário brasileiro é deficitário.
Contar com recursos financeiros para ter alguma tranquilidade depois dos 60 anos é importante. Mas com o aumento da expectativa de vida, penso que não faz sentido levar esta etapa da vida dos sessenta e poucos aos oitenta e poucos anos sem ter um propósito. E nem saindo de cena por uma convenção estipulada numa época em que a expectativa de vida da população era muito menor.
Existe um objetivo mais profundo em continuar a ser útil para a sociedade mesmo sem a intensidade da carreira anterior. As novas atividades podem atuar até mesmo como um mecanismo antidepressivo num eventual processo de transição de carreira e de compreensão dos papeis que exercemos em cada fase – e aqui entra mais um ensinamento da cultura japonesa: para eles, se aposentar e ficar sem fazer nada é considerado prejudicial à saúde, porque desconecta a alma do seu ikigai.
Giorgio Armani, o famoso estilista italiano, hoje com 89 anos e uma das maiores fortunas da Itália, segue na ativa. Ele diz que estar à frente das coleções e do burburinho da moda o rejuvenesce.
Trabalhando com empresas familiares, vemos muitos fundadores enfrentando o dilema de passar a direção para as novas gerações. Nos processos que conduzimos, reservamos às gerações mais seniores posições no Conselho de Administração e/ou no Conselho de Sócios, onde são tomadas as principais decisões estratégicas.
Desta forma, é possível promover a transmissão de conhecimento entre as gerações e manter os fundadores e/ou a geração mais sênior ativa e com acesso às principais decisões da empresa.
JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group
Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.