No Brasil, temos uma cultura de informalidade que é acentuada no contexto de empresas familiares. Muitos fundadores e acionistas seniores simplificam demais o processo sucessório: acham que basta colocar os herdeiros para trabalhar com eles que aprenderão a tocar o negócio. Mas a realidade não é essa.

No meu último artigo, falei sobre a importância do planejamento e da igualdade de oportunidades e contei os cases das famílias dos empresários Bernard Arnault e Carlos Slim, o bilionário mexicano. Em continuidade ao tema, quero falar sobre como é essencial perceber as mudanças que acontecem a cada década. Entender que a fórmula que trouxe uma empresa até onde ela está e a forma como ela está sendo gerenciada não necessariamente vai ser bem-sucedida num ciclo seguinte. Isso porque ocorrem mudanças de comportamento dos consumidores e das equipes, as novas tecnologias geram impacto, novos concorrentes e produtos entram no mercado. Há uma série de fatores que podem afetar a competitividade do negócio.

Será que o herdeiro está preparado para este novo mundo competitivo?

A nova realidade: faltam herdeiros preparados

A revista The Economist de fevereiro trouxe uma importante reflexão sobre a formação de herdeiros. Inúmeros empreendedores nascidos no período conhecido como baby boom, que começou em 1940, a partir de um súbito aumento de natalidade após a Segunda Guerra Mundial, estão prestes a se aposentar.

Um exemplo é Giorgio Armani, 89, que dirige sua empresa de moda e não tem herdeiros. Outro desafio é enfrentado pelo conglomerado Dalian Wanda, de Hong Kong: o único herdeiro não quer trabalhar nas empresas da família.

Existem muitas empresas de médio ou pequeno porte que não possuem sucessores. Acionistas com mais de 65 anos comandam 23% das empresas norte-americanas – em 2017, esse índice era de 20%.

Na Alemanha, país conhecido por ter inúmeras empresas familiares de médio porte, 31% dos negócios são liderados por acionistas com mais de 60 anos, três vezes mais do que há duas décadas. Somente 1 em cada 10 empresas possui acionista na liderança com idade inferior a 40 anos.

A projeção no Japão é que a partir de 2025 cerca de 2,5 milhões de pequenos e médios negócios terão seus acionistas controladores com mais de 70 anos, o que preocupa o Ministério da Economia do país, já que metade deste grupo não preparou a sucessão.

É curioso e até paradoxal. Porque não há fundador que goste de ver o trabalho de toda a sua vida desaparecer ou perder valor, seja com a venda ou a repartição da empresa. Isso gera um impacto brutal na economia e na geração de empregos. Mas, mesmo assim, muitas vezes deixam o processo sucessório de lado, acontecendo intuitivamente.

No Brasil, não temos estatística sobre a idade dos controladores das empresas de porte médio, mas a interação com nossos clientes da Cambridge Family Enterprise Group (CFEG) nos mostra que muitos estão acima dos 60 anos e vários com mais de 70 anos.

Formação de herdeiros: trabalhando a “cabeça de dono”

Para evitar a perda de controle da empresa, é necessário investir na formação de herdeiros – fazer com que aprendam a tomar decisão com a cabeça de dono, algo muito diferente das decisões de gestão do dia a dia da empresa.

E quais são as decisões típicas e críticas que cabem aos acionistas? Listo algumas a seguir:

  • Onde alocar o capital? Que negócios devem ser desinvestidos, por já estarem no fim do ciclo do produto, não serem mais competitivos e/ou estarem registrando perda financeira?
  • Que tipo de líderes precisamos ter na organização para enfrentar os desafios futuros? Ou, ainda: devemos trocar líderes que já estão na organização?
  • Como preservar a cultura e valores dos fundadores?
  • Que nível de risco queremos correr? Qual alavancagem máxima nosso negócio suporta?

As respostas não são nada triviais. Por isso, é preciso treinar os herdeiros quanto aos processos de tomada de decisão. Essa é uma das nossas expertises na CFEG. Oferecemos programas de desenvolvimento e formação de herdeiros ajustados às necessidades das empresas, sempre pensando em promover uma sucessão organizada. Se quiser trocar mais ideias sobre esse tema, que valorizo tanto, fique à vontade para entrar em contato.

 

 

 

JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group

 

Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.