Embora seja um tema recorrente e amplamente abordado, a sucessão em empresas familiares continua sendo um grande desafio e uma questão difícil de ser encaminhada com sucesso.

Nas monarquias, o critério é que o filho mais velho deve assumir o trono. Se por um lado essa regra simplifica o processo, por outro nem sempre traz para a liderança o sucessor mais bem-preparado. O caso da monarquia inglesa é um exemplo emblemático. A rainha Elizabeth 2ª não passou a coroa ao seu sucessor em vida, exerceu sua função até a morte, e nas longas décadas de espera do então príncipe Charles muitas dúvidas foram levantadas sobre sua capacidade para manter a solidez da monarquia (já escrevi sobre isto aqui).

Nas empresas familiares, embora muitas vezes existam tradições, os critérios de sucessão não são mandatórios e é comum surgirem situações conflituosas. Atualmente temos acompanhado pela mídia dois casos bem interessantes que envolvem famílias poderosas no cenário global.

Uma das famílias é a de Bernard Arnault, considerado o homem mais rico do mundo e dono das marcas de luxo Louis Vuitton, Moët Hennessy e Tiffany, entre outras. O grupo é avaliado em US$ 480 bilhões.

Arnault, atualmente com 74 anos, iniciou o processo de sucessão – que envolve seus cinco filhos – de uma maneira bem interessante. Mensalmente, o patriarca convida os filhos para um almoço e, durante 90 minutos, ele traz tópicos para discussão e roda a mesa pedindo opiniões de cada um sobre o tema em pauta. Ao longo dos anos, ele educou seus filhos em escolas de alto nível e sempre os levou a viagens de negócios e para acompanhar acordos comerciais.

A filha mais velha, Delphine Arnault, tem 48 anos e atualmente é a CEO da Christian Dior, segundo maior negócio do grupo. Seu irmão Antoine Arnault, 46 anos, se tornou CEO da empresa LVMH, que controla os interesses da família na empresa listada em bolsa. Alexandre Arnault, de 31 anos, é o VP executivo da Tiffany & Co, e Frédéric Arnault, de 29 anos, dirige a Tag Heuer, a grife de relógios do grupo. O caçula Jean Arnault, 25 anos, atualmente é diretor de marketing e desenvolvimento dos relógios Louis Vuitton.

Outro grupo importante que vivencia um processo de sucessão é o de Carlos Slim, considerado o homem mais rico da América Latina. Atualmente com 84 anos, o mexicano Slim tem uma fortuna avaliada em US$ 101 bilhões. Sua empresa controla operações como Claro e Embratel no Brasil. Na América Latina, controla a América Móvil, maior empresa de telecomunicações móveis da região. O empresário tem ainda participações em empresas mexicanas de bens de consumo, construção, imobiliárias e mineração.

Carlos Slim tem seis filhos, sendo três homens e três mulheres. Os três filhos homens já possuem cargos executivos nas empresas da família. Dois de seus netos, então na faixa dos 20 anos, foram colocados nos conselhos de empresas a partir de 2016. Os genros também estão envolvidos direta ou indiretamente nos negócios. As filhas cuidam das fundações filantrópicas e galerias de arte da família.

Ao analisar e comparar estes dois casos, quero comentar alguns pontos que considero interessantes:

  • Ambos são empresários de muito sucesso que praticamente construíram seus conglomerados e representam a primeira geração.
  • Bernard Arnault está estruturando um processo que tem muitos aspectos positivos e que considero bons exemplos para outras empresas familiares. Deu uma ótima formação a todos os seus herdeiros e não faz discriminação de gênero ao estruturar a sucessão. Cada filho tem uma posição executiva em um dos negócios do grupo. Treina os filhos a decidirem juntos os rumos dos negócios. Estruturou uma holding e doou parte de suas ações aos filhos. Todos têm a mesma participação e o voto da holding só vale se houver consenso entre os herdeiros.
  • No caso de Carlos Slim, pelas informações divulgadas, fica evidenciado que existe um preconceito com relação as mulheres, o que é lamentável. Os herdeiros não têm oportunidades iguais e a equidade não é um critério. Para uma empresa – especialmente no segmento de bens de consumo – discriminar as mulheres afeta a reputação e a imagem da empresa.

Em nossa experiência de mais de 35 anos na Cambridge Family Enterprise Group (CFEG) trabalhando com empresas familiares e acompanhando inúmeros processos sucessórios, verificamos que os que possuem maior probabilidade de sucesso são aqueles que proporcionam oportunidades iguais para todos os herdeiros e desenvolvem um plano estruturado de formação e oportunidades para a tomada de decisões em conjunto.

No Brasil, já tivemos muitos casos de empresas que desapareceram por não haver consenso na sucessão. Um exemplo conhecido é o da família Matarazzo, um dos maiores conglomerados industriais do país que desapareceu em consequência da desavença entre os irmãos no processo sucessório. Outro caso clássico é o da família Kasinski, dona da Cofap, líder em amortecedores de carros, que foi vendida para uma empresa italiana devido ao desacordo entre os familiares.

Uma empresa familiar que construiu seu patrimônio ao longo de décadas não pode nem deve improvisar ao estruturar seu plano sucessório. O risco de destruir o patrimônio construído é muito grande. Você pode ser um empresário brilhante e com muito sucesso nos negócios, mas sucessão é algo delicado porque envolve competências e emoções.

Por isso, recomendo consultar especialistas, buscar referências de outras empresas, desenvolver um bom planejamento e que sejam oferecidas oportunidades iguais a todos os seus herdeiros, independentemente da idade e do gênero. A maioria dos empresários treina seus herdeiros para a gestão da rotina, mas em um mundo com constantes mudanças é preciso prepará-los para serem donos e capazes de enxergar as oportunidades e ameaças. Cabe aos donos tomar as decisões mais importantes de alocação de capital, saída de negócios não rentáveis e gestão de riscos.

Não deixe para pensar na sucessão quando estiver perto de abdicar da direção dos negócios. Identifique os empreendedores no grupo familiar e invista na preparação de seus futuros líderes de negócios. E o mais importante: comece a transição agora! Com nossa ampla vivência nesta área, estamos preparados para assessorar esse processo. Deixo meu convite para trocar ideias com nossa equipe sobre planejamento sucessório.

 

 

 

JOÃO BOSCO SILVA
Sócio – Cambridge Family Enterprise Group

 

Fundador da Bridge Business Advisors, que em 2017 se fundiu a Cambridge Family Enterprise Group para atender famílias brasileiras. Foi CEO da Votorantim Metais, em que liderou o processo de internacionalização e crescimento da empresa e participou do processo de transição da segunda para a terceira geração. Anteriormente, foi CEO da Alcan Alumínio do Brasil e trabalhou em Montreal como Diretor de melhoria de desempenho para empresas da Alcan. Fez seu MBA no IMD, na suíça, e formou-se em engenharia metalúrgica pela escola de mineração de Ouro Preto.